terça-feira, janeiro 27, 2004

Momentos da II Grande Guerra no Mar

Duas placas de identificação de um navio de guerra inglês afundado durante a célebre (e trágica) retirada das tropas aliadas em Dunkerque, na costa Norte de França, foram recuperadas do fundo do Canal da Mancha e devolvidas ao Governo britânico em cerimónia oficial decorrida ontem na cidade de Ypres.

Destinadas ao Royal Naval Museum em Portsmouth, as placas exibindo a insígnia e nome do "destroyer" HMS «Wakeful» foram recebidas pelo Embaixador inglês na Bélgica, Richard Kinchen, das mãos do Ministro flamengo dos Transportes, Gilbert Bossuyt.

O HMS «Wakeful», do qual provieram estas relíquias de guerra, mantém-se oficialmente imperturbado como túmulo marítimo de guerra, afundado a 13 milhas ao largo da costa belga, a uma profundidade de apenas 17 metros sob as águas da Mancha.

A maior operação de salvamento marítimo da História
Cercados e debaixo de fogo das forças alemãs, perto de meio milhão de tropas e refugiados de guerra encontravam-se encurralados entre as tropas perseguidoras e o mar. Em resposta, durante seis dias uma imensa frota partida de Inglaterra reunindo os mais variados navios e embarcações disponíveis civis e militares realizou uma manobra desesperada para chegar à cidade portuária de Dunkerque e praias circundantes, conseguindo salvar 340.000 tropas aliadas (115.000 das quais soldados franceses). A urgência e perigo da manobra (conhecida como "Operation Dynamo" ) deveu-se ao fulgurante avanço das unidades alemãs, que beneficiavam (nesta fase inicial da II Guerra) da superioridade aérea e sofisticadas divisões blindadas, no seguimento da bem sucedida "Blitzkrieg" (guerra-relâmpago) que resultou na frente de guerra ocidental com a anexação da Holanda, Bélgica e França. O comando geral da operação foi confiada ao Vice-Almirante Sir Bertram Ramsay.

A ousada campanha de salvamento saldou-se, porém, pelo afundamento de 235 dos 850 navios participantes. No entanto, apesar do successo da operação, mais de 50.000 veículos militares e 40.000 soldados franceses não conseguiram ser evacuados, após terem assegurado uma corajosa acção de retaguarda, tendo sido capturados pelas tropas alemãs. Segundo reza a História, o comandante militar do destacamento inglês, Major-General Sir Harold Alexander, terá sido o último soldado salvo das desoladas praias de Dunkerque.

No dia 29 de Maio de 1940, o "destroyer" foi torpedeado por um navio rápido (um "E-Boot", ou lancha torpedeira) da força de superfície alemã, pouco depois de ter embarcado cerca de 630 soldados evacuados das praias de Bray-Dunes, próximo de Dunkerque, uma operação que durou 8 horas. Após o primeiro torpedo ter falhado o alvo, a violência do impacte do segundo (que atingiu em cheio a zona das caldeiras) causou a quebra do casco em dois, afundando-se o navio em apenas 15 segundos. Só 25 tripulantes e um dos soldados conseguiram ser salvos.

Mas a tragédia não ficou por aqui: entretanto, o navio de guerra HMS «Grafton», que se encontrava nas proximidades tentou salvar os marinheiros do HMS «Wakeful», mas foi atingido por outro torpedo disparado pela mesma lancha torpedeira alemã e começou a fundar-se. Pior ainda, um outro "destroyer" inglês, o HMS «Comfort», que se aproximou para socorrer a tripulação, foi de imediato atingido e afundado por engano pelos sobreviventes do HMS «Grafton», confundindo-o com um navio alemão. Só neste único dia, a "Luftwaffe" (aviação militar alemã) afundou outros 15 navios.

Memória Submersa
Já em 2002, tendo em conta o tráfego acrescido de navios de maior dimensão e calado por cima do sítio de naufrágio em trânsito para o movimentado porto de Zeebrugge, a sugestão de remoção do casco causou grande indignação por entre os escassos sobreviventes e familiares das vítimas do ataque.

Em lugar desta polémica intervenção (dada a sua classificação de túmulo de guerra oficial), foi decidido remover apenas partes da superestrutura do HMS «Wakeful», como o mastro de comunicações e as chaminés, colocando-as junto aos bordos do "destroyer", não sendo contemplada em momento algum a retirada de qualquer destroço fora das águas onde encontrou o repouso final.

Notícia do "Scotsman".

Adenda
À boa maneira britânica, mais de 150 "little ships", embarcações ligeiras que tomaram parte na operação (entre navios de pesca, recreio, salva-vidas e diversas embarcações de apoio), hoje espalhadas pelo mundo inteiro, desde o Chile e Canadá até Malta e Chipre, foram cuidadosamente recenseadas pela "Association of Dunkirk Little Ships", tornando-se membros da Associação, participando nas reuniões anuais e nas frequentes travessias comemorativas do Canal. A embarcação mais pequena que se sabe ter participado na Operação Dínamo é o barco de pesca «Tamzine», de apenas 4,5 metros, actualmente conservado no Imperial War Museum em Londres.

Em Maio de 2005, Dunkerque será o palco da celebração do 65.º aniversário da operação, para onde rumarão os últimos navios e sobreviventes deste grande episódio da História europeia.

quinta-feira, janeiro 22, 2004

O Afundamento de Veneza

Os Problemas
Longe vão os tempos em que a outrora Sereníssima República de Veneza reinava no Mediterrâneo da Idade Média e Renascimento. Hoje, a magnífica cidade lagunar sofre de um problema endémico, agravado nas últimas décadas do séc. XX. As águas por onde navegaram durante séculos as grandes galés e naus mercantes e os canais onde a Cidade desposava o Mar em grandiosa cerimónia anual são hoje uma fonte de perigo, contaminadas pelo aumento do nível do mar, a constante erosão e poluição que ameaçam a pérola do Adriático.

De tal maneira que, nos últimos 30 anos, a natureza única do caso de Veneza, englobando a gestão da laguna onde se situa e a protecção da cidade deu lugar a um conjunto excepcional de leis, começando com a Lei Especial n.º. 171/73, estabelecendo a salvaguarda de Veneza como assunto de "interesse nacional prioritário".

A Solução?
De acordo com a conceituada revista "Nature", uma equipa de engenheiros geo-mecânicos da Universidade de Pádua propôs novos meios para concretizar um projecto da década de 1970, de forma a evitar o problema do afundamento gradual da famosa cidade do Adriático. Utilizando tecnologia própria da indústria petrolífera, seria possível injectar dióxido de carbono ou água do mar alojando-os directamente na base geológica das ilhas de Veneza, a uma profundidade de 600 a 800 metros. Esta camada de enchimento artificial permaneceria presa entre um nível inferior de argila e outro superior de rocha impermeável. A utilização progressiva destes meios por um período de 10 anos permitiria uma elevação média do solo Veneza em 30 centímetros.

As cheias que submergem regularmente grande parte das ilhas devem-se, segundo os estudos do "Consorzio Venezia Nuova" (entidade pública responsável pela protecção de Veneza), à subida do nível do mar provocada pelas recentes alterações climáticas, assim como à sobre-extracção de águas subterrâneas que resultaram em alterações geológicas.

Algumas das medidas propostas para solucionar este problema consistem na elevação dos pavimentos nas áreas de cota mais baixa e a controversa construção de uma enorme barreira móvel anti-cheia denominada MOSE (Modulo Sperimentale Elettromeccanico), cujos portões se fechariam em momentos de grande alteração dos níveis de água. Estimado em cerca de 3 bilhões de Euros, esta estrutura gigante só deverá entrar em funcionamento em 2011, mas a previsível subida do nível do mar poderá torná-la ineficaz dentro de 100 anos. Os testes geológicos e geofísicos irão iniciar-se em breve.

Uma corrida contra o tempo para evitar que a magnífica cidade se torne um dia numa relíquia subaquática.

terça-feira, janeiro 20, 2004

Captain’s Blog 4000

As comemorações são sempre benvindas a bordo. Mas, afim de evitar que as celebrações não se repitam até à exaustão, passamos a agradecer encarecidamente a atenção, apoio e comentários aos nossos colegas da faina electrónica devidamente representados nos elos marítimos indicados na coluna direita deste vosso humilde "blog".

"Posts" à Vista...
Decidimos, por outro lado (e à imagem do que a "Oficina das Ideias" já fez) acrescentar alguma utilidade a esta ocasião festiva. Reunem-se aqui, para maior facilidade e vantagem dos leitores navegantes curiosos dos 7 mares da Blogosfera e para minha própria organização, os índices dos "posts" do «Marítimo», apresentados por temas:

Arqueologia Subaquática & Naufrágios
- Uma outra "Invencível" Armada: a Grande Expedição Naval Persa de 492 a.C. (Janeiro 2004)
- Histórias de Submarinos (USS «Razorback» / «Resurgam») (Janeiro 2004)
- Navio e Armas Antigas Emergem das Águas (Barco Romano e Porto Antigo descobertos em Nápoles / Armas Antigas num Rio da Croácia) (Janeiro 2004)
- O HMS «Endeavour» descoberto? (Janeiro 2004)
- A Âncora do Rei? (Janeiro 2004)
- A "Invencível" Armada regressa à Irlanda (Janeiro 2004)
- ...e mais naufrágios históricos ("conquistadores" na Florida) (Janeiro 2004)
- Projecto «Alligator» (Dezembro 2003)
- Últimas da recuperação da carga de moedas no SS «Republic» (Dezembro 2003)
- O Vapor das Esmeraldas («Pollux») (Dezembro 2003)
- Real Batalha sobre Tesouro Afundado («Notre Dame de Delivrance») (Dezembro 2003)
- Tragédia e Negócio: o Ouro do HMS «Sussex» (Dezembro 2003)
- Glória e Tragédia do «Hunley» (Dezembro 2003)
- Possível navio de Colombo descoberto no Panamá («La Vizcaina») (Dezembro 2003)
- Barba-Negra regressa à Superfície? (Barba-Negra e o «Queen Anne’s Revenge») (Novembro 2003)

História Marítima
- Garimpeiros do Mar (Janeiro 2004)
- Ainda a propósito de "Master and Commander: the Far Side of the World"... (Relíquias da Vitória (HMS «Victory») / Testemunhos das Expedições Científicas (HMS «Beagle») / A «Royal Navy» à escala) (Dezembro 2003)
- Imaginário Marítimo Português (Naufrágio & Criaturas Marinhas / Expansão e Fábulas Marinhas) (Dezembro 2003)
- Imaginário Marítimo Brasileiro (Upupiara: "o que vive no fundo das águas") (Dezembro 2003)
- Real Fuga Marítima (Corte Portuguesa no Brasil) (Novembro 2003)
- Quando a Inglaterra Governava os Mares (Batalha naval do Cabo de São Vicente) (Novembro 2003)
- Em Busca do Desejado no Algarve d’Além-Mar (D. Sebastião em Marrocos) (Setembro 2003)
- Senhores do Mar: Pilotos Portugueses nas Navegações Europeias dos Sécs. XVI e XVII (I, II e III) (Setembro - Outubro 2003)
- Mimos e Memórias de um Vice-Rei na Índia (D. João de Castro) (Setembro 2003)

Património
- Herança Marítima Reconhecida: o Museu Nacional da Indústria Naval (Dezembro 2003)
- Um Náufrago e a sua Obra: a História Misteriosa do Palácio da Água (Dezembro 2003)

Ciência
- Diários de Bordo Revelam Passado Meteorológico (Janeiro 2004)
- CPAS: 50 anos de Actividades Subaquáticas (Janeiro 2004)
- O que o Mar tem para nos ensinar (Os Botos de Laguna / Coral revela origens antigas dos genes humanos) (Janeiro 2004)
- Então sempre se faz... (túnel sob o Estreito de Gibraltar) (Dezembro 2003)
- Um Mergulho por Boas Causas (travessia do Lago Ness) (Novembro 2003)

"Blogs" / Livros / Exposições (sugestões)
- Um Português no Oeste / Novas Leituras (Janeiro 2004)
- As Naus Voltam a Portugal ("A Nau de Portugal: Os Navios da Conquista do Império do Oriente, 1489-1650", de Filipe Vieira de Castro) (Dezembro 2003)
- Mergulhos (Arqueologia Subaquática no Rio Arade) (Novembro 2003)
- Breves ("Os Portos na Origem dos Centros Urbanos: contributo para a arqueologia das cidades marítimas e flúvio-marítimas em Portugal", de Maria Luísa Blot) (Novembro 2003)

Literatura
- Joseph Conrad, o Mar e o Escritor (Novembro 2003)
- Os Escritores e o Mar I (Nathaniel Philbrick / Herman Melville); Os Escritores e o Mar II (Júlio Verne / Rafael Sabatini / Robert Louis Stevenson) (Outubro 2003)
- Os Livros e o Fascínio do Mar I ("História Trágico-Marítima" / "Naufrágios" de Cabeza de Vaca); Os Livros e o Fascínio do Mar II (Camões/ Sá de Miranda / Fernão Mendes Pinto); Os Livros e o Fascínio do Mar III (Gil Vicente) (Outubro 2003)

Cinema
- Os Piratas Andam Aí (Novembro 2003)
- A História, os Filmes e o Mar (Novembro 2003)

Bons ventos e boa leitura a todos!

segunda-feira, janeiro 19, 2004

Uma outra "Invencível" Armada: a Grande Expedição Naval Persa de 492 a.C.

Através de notícia interessante e bem ilustrada, a BBC anunciou as mais recentes descobertas de uma missão arqueológica subaquática em busca dos vestígios da armada persa enviada pelo rei Dario contra a Grécia no séc. V a.C.. Dois capacetes, uma base de lança persa e algumas ânforas foram encontradas no ano passado nas profundezas do Mediterrâneo, ao largo do Monte Athos (Norte da Grécia), onde decorreu um dos maiores naufrágios em série da História ocidental. Estes artefactos estavam associados a um navio afundado assinalado pela expedição, ao qual se junta outro naufrágio cuja localização foi obtida mediante informações de um pescador local.

O episódio ficou na História pela magnitude do poder naval envolvido e pela tragédia que o aniquilou. Em 492 a.C., tendo sido reunido um efectivo colossal de muitas centenas de navios, as hipóteses de defender as cidades gregas antigas pareciam ínfimas. Mas a Natureza equilibrou os pratos da balança sob a forma de uma enorme tempestade que afundou em pouco tempo a maior parte dos navios persas. Cerca de 20.000 homens e 300 navios foram engolidos pelas ondas, segundo o historiador grego Heródoto.

Esta não era a primeira tentativa de invasão da península grega. O grande rei Xerxes, antecessor de Dario, organizou uma mega-expedição de 1.207 navios provenientes dos mais variados portos do Império Persa no ano de 480 a.C., que acabou por conhecer o mesmo desastroso destino, sendo destroçada pela fúria dos elementos.

O "Persian War Shipwreck Survey"
O projecto resulta da colaboração entre o Instituto Canadiano de Arqueologia de Atenas e o Serviço de Arqueologia grego. Katerina Dellaporta, do "Euphorate of Underwater Antiquities" (Grécia) e Shelley Wachsmann (do Instituto de Arqueologia Náutica, da Universidade do Texas A&M) lideram esta investigação. O relatório preliminar da última missão, que cartografou uma área de 170 quilómetros quadrados com a ajuda de um sonar de varrimento lateral, pode ser consultado aqui.

A expedição regressará ao local das desobertas no próximo mês de Junho para prosseguir as pesquisas. Aguarda-se a hipótese de se poder descobrir algo de nunca visto até hoje: vestígios estruturais suficientes para uma reconstrução náutica fiel de uma galé trirreme, navio de guerra clássico mas que, devido ao pouco lastro no seu interior, raramente se afundava. Mesmo os pesados esporões de bronze com que se armavam as proas das galés desprendiam-se após a abordagem da embarcação inimiga e desapareciam no fundo do mar. Um raro exemplar de esporão, encontrado em 1980 na costa israelita de Athlit, conserva-se hoje no National Maritime Museum, em Haifa.

Réplicas de trirremes como a «Trieris» ou a «Olympias» (aqui, um pormenor do encaixe do esporão à proa) ajudam a perceber as capacidades náuticas e militares dos navios da Antiguidade, mas têm sido baseadas quase exclusivamente em vestígios iconográficos. As grandes galés de guerra da Antiguidade continuam a ser navios-fantasma para os arqueólogos náuticos.

sábado, janeiro 17, 2004

Histórias de Submarinos

Imaginem que houve um actual Presidente de Câmara norte-americano (de Bossier City, Louisiana) responsável pelo incêndio acidental do próprio submarino durante a II Guerra Mundial. A vontade de servir foi demasiada e, no rescaldo de um combate, George Dement, cozinheiro de bordo do USS «Razorback», deu largas ao seu entusiasmo profissional de tal maneira que pôs fogo à pequena cozinha de bordo, espalhando-se o fumo rapidamente pelos compartimentos do submarino. O resultado foi uma refeição perdida e uma subida à superfície de emergência. Um grande susto sem consequências de maior, em pleno Pacífico, no último ano da guerra (1945).

Surpreendentemente, os sobreviventes da tripulação souberam que o submarino se encontrava ainda no activo, ao serviço da Marinha de Guerra turca. Após algumas negociações por iniciativa de um grupo de veteranos ("Save The Razorback"), assegurou-se o seu regresso aos Estados Unidos. Mais propriamente a North Little Rock, no Estado do Arkansas, onde chegará no próximo Verão e aí ficará em exposição permanente.

Compilada a curiosa história do regresso do mesmo submarino USS «Razorback», cuja folha de serviços inclui os seguintes objectivos alcançados: 2 navios de guerra japoneses, 4 navios mercantes e 12 champanas (embarcações veleiras tradicionais) afundadas e 5 aviadores aliados resgatados. O velho submarino ainda serviu durante a Guerra do Vietname, tendo sido posteriormente vendido à Turquia, que o rebaptizou de «Murat Reis». Servirá dentrou de poucos meses de museu naval em memória do maior conflito do século XX.

Visitas a Submarino com 125 anos
Pela primeira vez desde o seu afundamento, em 1880, o interior de um submarino afundado na costa Norte do País de Gales tem sido mostrado. O arqueólogo subaquático Mike Bowyer efectuou um mergulho no «Resurgam» para instalar uma câmara.

O «Resurgam» ficou para a História como o primeiro submarino com sistema de propulsão mecânica, e foi construído pelo Reverendo e Manchester George Garrett em 1879, em Birkenhead, tendo-se afundado devido a uma forte tempestade na costa de Rhyl durante a sua viagem inaugural. Medindo 13,70 metros de comprimento e pesando 30 toneladas, o submarino possuía uma autonomia de 4 horas. Depois de uma avaria sofrida na sua viagem inaugural em direcção a Portsmouth, onde deveria ser demonstrada aos oficiais da Royal Navy, afundou-se quando era rebocado no meio de uma tempestade. Só viria a ser descoberto em 1995, dando início ao Projecto Resurgam , destinado a estudar e conservar o curioso submarino.

Tratando-se de um exemplar único na História da engenharia naval, segundo o arqueólogo, não há tempo a perder na recuperação do submarino do seu local de descanso, pois a cada ano que passa o seu estado de conservação degrada-se mais um pouco. Contempla-se a hipótese de colocar o velho «Resurgam» em exposição. Estima-se que o custo de uma eventual remoção atingiria os 2 milhões de libras.

Artigo do IC North Wales. Mais informações detalhadas sobre o «Resurgam» aqui.

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Navio e Armas Antigas Emergem das Águas

Barco Romano e Porto Antigo descobertos em Nápoles
Em Nápoles, foram as obras de construção de um túnel do Metro que puseram a descoberto, a 13 metros de profundidade, um magnífico conjunto arqueológico relativo à navegação do período romano: vestígios não só de um antigo cais de acostagem em madeira (parte do porto antigo), como uma embarcação com cerca de 10 metros de comprimento e pouco mais de 2 metros de largo, além de centenas de ânforas datadas do séc. II da nossa era. Vários outros artefactos , como lucernas e solas de sandálias foram encontradas em bom estado de conservação junto ao barco.

A espessa camada de lama e sedimento compacto rapidamente acumulados sobre a embarcação ajudaram a proteger a madeira e outros materiais orgânicos da deterioração. As dimensões desta pequena embarcação ainda não foram totalmente conhecidas, pois ainda se encontra em processo de escavação, sendo, no entanto, semelhantes às de outros vestígios de um outro barco romano descoberto nas proximidades, na antiga Herculano, preso numa camada de lama.
Notícia (bem ilustrada) do "La Reppublica".

Armas Antigas num Rio da Croácia
Embora sem muitos detalhes, o "Birmingham Evening Mail" avançou esta semana a notícia de uma descoberta rara que valerá a pena acompanhar de perto. Uma equipa de investigadores da Universidade de Birmingham localizou aquele que poderá ser um dos mais valiosos achados arqueológicos dos últimos anos.

Nas margens do rio Cetina, na Croácia, escondia-se um conjunto de artefactos provenientes de várias épocas, consistindo em mais de 90 espadas, uma adaga de legionário romano com a sua baínha intacta, mais de 30 capacetes Greco-Ilíricos (segundo a denominação dos antigos povos locais que os utilizavam) e numerosas peças de joalharia, machados e pontas de lança. Na verdade, anteriores achados arqueológicos (fivelas, peças em metal e capacetes da mesma origem) provenientes do rio Cetina já tinham registados na década de 1990 pelo Instituto de Arqueologia da Universidade de Zagreb. Na margem direita do rio encontram-se também os vestígios do campo militar romano de Tilurium, instalado num local estratégico que assegurava a defesa desta importante via de comunicação fluvial situada na antiga província da Dalmácia.

Os investigadores apontam para a hipótese de que este rico núcleo de artefactos tenha sido deitado ao rio como oferenda, tomando este local como sagrado. Os artefactos mais antigos datam de 6.000 anos a.C.. Próximo do local foram igualmente descobertos importantes vestígios de habitações em madeira (possivelmente com estrutura erguida sobre palafitas, típicas de habitações lacustres ou fluviais), indicando o estabelecimento de povoações datando do final do Neolítico e início da Idade do Bronze.

Testemunhos de épocas remotas, estes vestígios sobreviveram protegidos pelas águas a séculos de invasões e guerras civis particularmente intensas nesta região da Europa, desde os Impérios Romano e Otomano, até ambas as Guerras Mundiais e os recentes conflitos que assolaram a ex-Jugoslávia.

terça-feira, janeiro 13, 2004

Diários de Bordo Revelam Passado Meteorológico

O CLIWOC (Climatological Database for the World's Oceans) é um grupo de trabalho internacional liderado pelo Dr. Dennis Wheeler, investigador da Universidade de Sunderland (Inglaterra) encarregado de uma missão pioneira. Utilizando o manancial de observações meteorológicas inscritas nos diários de bordo antigos como fonte de informação sobre as alterações climáticas ocorridas ao longo da História.

À falta de compilações coerentes ou registos continuados, numa época em que ainda não se dispunha de equipamento especializado de precisão, consultar os diários de bordo dos veleiros de séculos passados torna-se num recurso válido para obtenção de dados meteorológicos, pois neles eram assentados com crescente regularidade a força e direcção do vento, a declinação magnética, assim como o estado do mar e do céu. Os membros do CLIWOC ocuparam-se durante 3 anos na recolha exaustiva dos dados observados através dos mares a bordo de navios ingleses, franceses, holandeses e espanhóis entre 1750 e 1850, considerando-se serem fontes de informação "consistentes e fiáveis".

Alguns dos mais ricos diários investigados são os das três grandes expedições do capitão James Cook ao Pacífico, prosseguidas durante vários anos (está disponível on-line o diário da primeira viagem). Actualmente, calcula-se que apenas se tenham pesquisado apenas 10% dos milhares de diários guardados nos arquivos europeus, devido a dificuldades no financiamento do projecto.

...e Ajudam a Prever a Meteorologia Futura
Com a ajuda destes velhos diários, será possível compreender de que maneira o clima mudou no passado, tornando-se por sua vez num instrumento valioso para recalibrar modelos de previsão que têm em conta futuras evoluções climáticas no nosso planeta. Uma parte da base de dados já está disponível em suporte electrónico, a qual será gradualmente actualizada nos próximos meses.
Notícias da BBC News Online e da ABC Science Online.

O HMS «Endeavour» descoberto?
A primeira viagem de circumnavegação do capitão Cook 1768-1771 a bordo do «Endeavour» foi justamente considerada de excepcional importâcia histórica deviso às suas valiosas contribuições no conhecimento científico, geográfico e náutico. No decorrer desta viagem, o capitão Cook tornou-se no primeiro marinheiro a calcular a sua longitude com precisão, recorrendo ao cronómetro (recentemente inventado).

Depois de partir da Inglaterra, o «Endeavour» fez escala na ilha da Madeira e daí prosseguiu até ao Cabo Horn entrando no Pacífico, dirigindo-se ao Tahiti, fazendo nova travessia até à Nova Zelândia e percorrendo a costa Leste da Austrália. Depois de algumas dificuldades encontradas na Grande Barreira de Coral, o navio foi reparado em Batavia, partindo finalmente de regresso a Inglaterra através do Índico, dobrando o Cabo da Boa Esperança. Ancorou nos Downs, frente à costa inglesa do Canal da Mancha em Junho de 1771, após uma viagem de perto de 3 anos. E esta foi apenas a primeira de três longas expedições, na última das quais encontraria a morte nas paradisíacas ilhas do Hawai.

Hoje em dia, pelo menos uma réplica do «Endeavour» navega em cruzeiro oceânicos.

Segundo notícia do "Advertiser", os responsáveis pelo Rhode Island Marine Archaeology Program noticiaram recentemente o provavel achado dos restos do «Endeavour». Sabe-se que o navio terminou a sua gloriosa carreira rebaptizado «Lord Sandwich» e afundado intencionalmente em Newport Harbour, no Estado de Rhode Island (Estados Unidos) em 1778, durante a Guerra da Independência norte-americana.
No entanto, apesar de os alegados vestígios (cuja extensão total alcança os 45 metros) terem sido localizados a apenas 12 metros de profundidade, os trabalhos de pesquisa têm sido repetidamente demorados devido à visibilidade quase nula e à vandalização do sítio subaquático praticada por caçadores de relíquias, além da já tradicional falta de verbas.

segunda-feira, janeiro 12, 2004

A Âncora do Rei?

Com tanta confusão na Terra Santa, pouca gente reparou nesta notícia.
Ainda não há muita informação disponível mas, segundo o jornal israelita "Haaretz", foi descoberta no Mar Morto uma âncora de grandes dimensões (pesando meia tonelada) atribuível ao período romano, datada em cerca de 2.000 anos.

Indiscutivelmente, um achado histórico de interesse para a datação das navegações neste mar fechado. Arqueologicamente falando, a descoberta de uma âncora tão antiga em madeira reveste-se de um valor excepcional sendo, de facto, extremamente rara pois, após o naufrágio ou o abandono da mesma em situação de perigo, a madeira decompõe-se rapidamente quando exposta aos organismos marinhos que proliferam nas águas oceânicas. Este exemplar foi preservado pela alta salinidade do Mar Morto, que impediu a proliferação desses organismos.
Agora, quanto à história de a dita âncora pertencer à própria embarcação de recreio do bíblico Herodes, Rei da Judeia, bom... a conexão é, no mínimo ainda pouco evidente.

Morte de um Rei Maldito
Entretanto, também há quem julgue ter descoberto a verdadeira causa da morte do Rei Herodes, dito arqui-inimigo de Jesus Cristo. A comprovar-se este diagnóstico milenar, a sua morte deve ter sido apavorante.

domingo, janeiro 11, 2004

Garimpeiros do Mar

Sem pompa nem circunstância, no dia 1 de Janeiro de 2004, Jorge fez 25 anos de actividade. Demora-se todos os dias perto de 4 horas nos transportes públicos no percurso até às praias do Rio de Janeiro para recuperar, das 6:30 até ao final da tarde, tudo o que seja precioso e tenha algum valor comercial, desde fios de ouro, pulseiras, brincos e notas a óculos e telemóveis perdidos pelos incautos banhistas.

José Ribeiro Mariano, "o Tornado", largou o emprego e há 26 anos vive de garimpar as praias do Rio. Em apenas duas semanas, recolheu meio quilo de ouro em objectos variados. Diz que com os festejos do "réveillon" chega até a ganhar uma espécie de "décimo-terceiro" mês. Trata-se de apenas um dos 50 fenómenos próprios à Cidade Maravilhosa, segundo o "Jornal do Brasil" on-line.
Dois empresários por conta do Mar em percursos de vida invulgares, mas nem por isso menos respeitáveis.

sexta-feira, janeiro 09, 2004

Um Português no Oeste

A Oeste de novo? Não é bem assim.
Algures no interior do Texas, há uma Universidade que resiste tenazmente, através do seu Instituto de Arqueologia Náutica, às investidas de caçadores de tesouros afundados e outros coleccionadores de relíquias subaquáticas menos escrupulosos. O programa é vasto e os seus especialistas ocupam-se em projectos de Arqueologia Subaquática nos mares de todo o Mundo. Pois um dos professores é português e tem estado a beber da poção mágica destilada localmente.
O resultado: a partir de ontem está no ar um novo "blog" sobre assuntos marítimos, subaquáticos e outras curiosidades científicas. Benvindo, Filipe.
Ei-lo que se junta à comunidade "blogger", devido aos bons (e insistentes) cuidados do Alexandre. Estamos mais ricos. Venham de lá essa Ciência e essa polémica...

Novas Leituras
Também dignos de nota, pela divulgação histórica e assinalável continuidade, são o Datas na História e o Histórias e Estórias, sempre úteis.
Em jeito de conclusão, uma leitura recomendada e recomendável, O Blog do Alex, que só agora descobrimos. Mea culpa. Leiam-no.

quinta-feira, janeiro 08, 2004

50 anos de Actividades Subaquáticas

Primeira escola de mergulho amador em Portugal, fundada em 1953, o CPAS (Centro Português de Actividades Subaquáticas) finaliza neste início de ano a comemoração de meio século de actividade no campo da promoção e ensino do mergulho desportivo, arqueologia subaquática e no estudo da biologia marinha, assim como na conservação e divulgação do património marinho, reunindo importantes colecções nestas áreas.

Destacando-se pelo seu pioneirismo multi-disciplinar, em 1956 o CPAS realiza o primeiro filme subaquático a cores de que há conhecimento em Portugal, "Fundo do Mar", cuja captação de imagens é da autoria do Eng. Jorge de Castro e Eng. Eduardo Caupers (ambos sócios fundadores do CPAS).
Em 1957, o CPAS inicia o ensino do escafandrismo em Portugal (Mergulho Amador).
No ano seguinte é igualmente pioneiro com a realização das primeiras Jornadas de Arqueologia Subaquática em Portugal (Tróia).
Em Março de 1961, com o patrocínio do Instituto de Alta Cultura de Portugal, o CPAS organiza em Lisboa o primeiro Simpósio Médico Internacional sobre Fisiologia e Técnica do Mergulho.
Em 1965 tomou a iniciativa de propor e defender a criação de parques submarinos a nível nacional. Um dos resultados foi a criação da Reserva Natural da Berlenga, cuja iniciativa lhe pertence.
No campo científico organizou várias expedições ao longo da costa portuguesa e ao ex-Ultramar, em colaboração com a Marinha Portuguesa e outras instituições científicas (Fundação Calouste Gulbenkian, Faculdades de Ciências e de Letras de Lisboa), das quais resultaram as suas valiosas colecções, sobretudo a arqueológica e a malacológica.

Um dos últimos grandes projectos do Centro (infelizmente adiado) tem sido a criação do futuro Museu Municipal da Vida Subaquática e da História Submersa, concebido para albergar as suas ricas colecções, exibindo-as em exposição permanente e acompanhando-a de uma catalogação exaustiva e informação actualizada.
Quanto à exposição comemorativa, estará patente até ao mês de Fevereiro, de Segunda a Sexta, das 16:00 às 24:00, na R. do Alto do Duque, 45 (Restelo). Tel. 21 301 69 61.
O já histórico Centro está de Parabéns.

segunda-feira, janeiro 05, 2004

A "Invencível" Armada regressa à Irlanda

Artefactos recuperados da nau «La Trinidad Valencera» irão formar o núcleo da nova exposição "The Armada in Ireland" relativa à "Invencível" Armada espanhola a organizar na Cidade de Derry, na Irlanda do Norte.
A British Lottery Fund providenciou 1,45 milhões de libras (cerca de 2,1 milhões de Euros) para financiamento do evento, que terá início no próximo mês. Trata-se de parte de um projecto maior de remodelação do Tower Museum da cidade, segundo notícia do "Ireland On-Line".

O Poder Naval de Filipe II contra a Ilha de Isabel I
No auge da Guerra Anglo-Espanhola, Filipe II de Espanha (e já então D. Filipe I de Portugal) ordenou a preparação de uma grande armada (denominada originalmente de "Felicíssima", tendo sido apelidada de "Invencível" apenas depois da derrota, pelos seus adversários) para invadir a Inglaterra, que partiu do estuário do Tejo, depois de muitos contratempos, em Junho de 1588. Após a bênção da bandeira Real na Sé catedral de Lisboa, o Duque de Medina Sidonia embarca no galeão «São Martinho», navio-almirante da armada fundeada no Tejo. Nesse momento, todas as atenções da Europa se concentravam na Armada reunida em Lisboa. Reunindo um total de cerca de 130 navios, entre galeões, naus, caravelas, galeaças e galés, e transportando pouco mais de 30.000 homens, a Grande Armada representou a manobra mais ambiciosa da Coroa espanhola no Século de Ouro das navegações.

Nesta armada contavam-se mais de 2.000 portugueses oficiais, soldados e marinheiros, um dos quais, António Martins, natural de Aveiro e piloto da nau «Trinidad Valencera», viria a ser um dos poucos sobreviventes de uma trágica aventura marítima.

Percurso Trágico de um Navio
A «Trinidad Valencera» (corruptela do seu nome veneziano, «Balanzara») era uma grande nau mercante veneziano fretada na Sicília pela Coroa espanhola.
No Verão de 1588, após o confronto com a frota inglesa ao largo de Gravelines (Bélgica) e batendo-se contra ventos contrários que os impediam de regressar para Sul pelo Canal da Mancha, a Armada retirou-se pela rota mais difícil, rodeando as perigosas costas das Ilhas Britânicas e os seus mares pouco conhecidos. Foi neste percurso, assolado por tempestades fora de época, que ceca de 35 navios naufragaram (por afundamento e encalhe), que a grande nau veneziana encontrou o seu último destino, sofrendo um encalhe e desfazendo-se nos baixios da Baía de Kinnagoe, no Condado de Donegal. Algumas centenas de homens puderam abandonar a nau antes de se afundar.

Incluída na esquadra do Levante (constituída por navios de transporte do Mediterrâneo), a nau teve o seu baptismo de fogo já ao largo da costa inglesa, quando a Grande Armada se aproximou de Portland Bill (recontro de 1 e 2 de Agosto), de novo defronte da ilha de Wight (2 e 3 de Agosto) e na manobra defensiva crucial de retaguarda travada na batalha ao largo de Gravelines (actual costa belga) entre 7 e 9 de Agosto, pouco antes da retirada da Armada em direcção ao temido Mar do Norte, iniciando o seu trágico regresso a Espanha.

No dia 20 de Agosto, rodeando a costa Norte da Escócia, o «Trinidad Valencera» e três outros navios separaram-se do principal núcleo da Armada; nenhum destes regressaria a Espanha. A 12 de Setembro, abateu-se uma forte tempestade sobre a nau da costa da Irlanda do Norte. Com o nível da água a subir no porão, a «Trinidad Valencera» ancorou na Baía de Kinnagoe dois dias depois, mas o seu estado era dificlmente recuperável. A tripulação decidiu-se por uma manobra desesperada e encalhou o navio deliberadamente para tentar sair em terra.

Salvos do inferno das ondas tormentosas, a maior parte dos homens desembarcou e instalou-se em abrigos improvisados em terra, entrando em contacto com a população nativa irlandesa que os asseguraram da sua boa vontade e auxílio contra o inimigo comum, a Coroa inglesa. Confiantes nestas palavras, os espanhóis foram apanhados desprevenidos e sem armas. Roubados os poucos bens pessoais que haviam conseguido resgatar e desnudados numa terra desconhecida, 300 homens (entre soldados e marinheiros acabaram por ser massacrados por um contingente anglo-irlandês numericamente inferior. Apenas 32 sobreviventes puderam escapar, fugindo para a Escócia com a ajuda de outros nativos menos traiçoeiros e daí seguiram furtivamente para França, onde foram resgatados pelo embaixador espanhol em Paris. Os oficiais foram enviados para Dublin, onde foram sentenciados à morte por ordens do Lord Deputy da Irlanda Sir William Fitzwilliam, em nome da raínha e da defesa de Inglaterra.

Descobertas Subaquáticas
O «Trinidad Valencera» é o naufrágio melhor estudado desta época. Arqueando 1.100 toneladas, medindo 36 metros de comprimento e armando 32 canhões, com 360 homens a bordo, a «Trinidad Valencera» era um dos maiores navios da Grande Armada.

Os vestígios do naufrágio foram descobertos na década de 1970 por um clube de mergulhadores local, tendo sido assessorados por Colin Martin, da Universidade de Saint Andrews (Escócia), famoso arqueólogo inglês e grande especialista nos navios da época da Armada (co-autor de um dos melhores estudos sobre esta campanha naval, The Spanish Armada (2002) e Full Fathom Five: Wrecks of the Spanish Armada (1975), além de vários artigos científicos em resultado das suas escavações).

Os mergulhadores recuperaram um amplo conjunto de artefactos relativos à vida a bordo, instrumentos náuticos e armamento de bordo, além de vestígios de equipamento militar destinado ao exército de invasão da Inglaterra. Deste arsenal sobressaem três enormes "cañones de batir" (canhões de cerco) em bronze, de 2 toneladas e meia cada, produto das melhores fundições do império espanhol, na actual Bélgica.

Alguns outros vestígios de navios da Grande Armada de 1588 foram descobertos e alvo de recuperações, como o «Gran Grifón», o «Girona» (por um caçador de tesouros) e o «Santa María de la Rosa». No seu conjunto, estes naufrágios vieram lançar nova luz sobre diversos aspectos do poder naval espanhol no final do século XVI, resultando numa vasta colecção de objectos cuja maior parte se guarda no Museu do Ulster.

Entre os vários artefactos a ser exibidos, encontram-se duas das grandes peças de artilharia de grande calibre, além de serviços de peças de estanho utilizados pelos oficiais a bordo, entre outros.

Espanha, Portugal e a Grande Armada contra Inglaterra de 1588
A questão do protagonismo marítimo no final do Renascimento ficou esclarecida com o fracasso da "Invencível" Armada. Embora o resultado do confronto naval no Canal da Mancha não tenha sido definitivo para a supremacia de qualquer dos antagonistas, o facto é que contribuiu para um avanço renovado das potências Protestantes da Europa do Norte nas diversas frentes de guerra do Império espanhol, marcando o fim da política expansionista dos Habsburgo de Espanha e a confirmação da decadência naval ibérica. Uma nova potência marítima emergira do Norte: chegara a vez de a Inglaterra começar a dominar os mares.

O «Marítimo» aproveita a ocasião desta inesperada notícia para "puxar a brasa à sua sardinha" e adiantar que em breve irá disponibilizar "on-line" parte do texto incluído no livro que de que fomos co-autor (juntamente com o Comandante Augusto Salgado), "A Invencível Armada (1588): A Participação Portuguesa" (Lisboa: Editora Prefácio, 2002) e do qual preparamos a segunda edição.

sábado, janeiro 03, 2004

...e mais naufrágios históricos

Em 1528, um dos 5 navios da frota do descobridor e "conquistador" castelhano Pánfilo de Narváez (c.1470-1528) naufragou num local denominado Santa Cruz, indeterminado até hoje. Sabe-se apenas que era uma pequena angra pouco profunda desembocando numa ampla baía, localizada algures na costa Sudoeste da Florida.
Alguns investigadores acreditam que o obscuro local de Santa Cruz poderia ser o actual porto de Charlotte (Charlotte Harbor), iniciando assim mais uma corrida em busca dos hipotéticos vestígios do navio de um dos primeiros exploradores marítimos da América do Norte.

Este é o mistério que o arqueólogo náutico J. Cozzi espera desvendar em breve, tendo sido contratado pelos Laboratórios Marinhos «Mote» (Mote Marine Laboratories, Florida) para liderar uma prospecção exaustiva de navios afundados de todas as épocas no histórico porto de Charlotte. Prevê-se igualmente a obtenção de licenças de escavação e musealização dos vestígios a serem descobertos, aguardando-se confirmação de uma verba de 50.000 dólares a obter junto do Congresso.

Em Busca da História Submersa
Alguns sítios de naufrágio foram já localizados, recorrendo não apenas a equipamento especializado, como a informações de vários particulares, técnicos, pescadores e investigadores locais.
No entanto, não se espera que algum dos naufrágios de Charlotte Harbor possua tesouros escondidos. Os verdadeiros tesouros poderão ser as histórias encerradas nos vestígios por descobrir, uma vez que os arquivos históricos são pobres em registos da actividade marítima, naquele que sempre foi um longínquo posto comercial fronteiriço e de contrabando, particularmente durante a época colonial e a Guerra Civil norte-americana.
Por outro lado, esta também uma oportunidade importante para documentar o papel de Charlotte Harbor como local de desembarque de várias das primeiras explorações geográficas e militares da América do Norte. Atestar a presença europeia neste recanto dos Estados Unidos seria uma importante contribuição para a jovem história dos Estados Unidos.

Desventuras Marítimas dos Descobridores
De facto, as expedições marítimas ter-se-ão iniciado neste continente com os desembarques do visionário Juan Ponce de León (1460-1521) em 1513 e 1521, acreditando ter descoberto a mítica Fonte da Juventude.
Ponce de León acompanhara Cristóvão Colombo na sua segunda viagem ao Novo Mundo em 1493, tornara-se Governador da ilha de Porto Rico. Anos mais tarde, à frente de dois navios equipados e tripulados às suas expensas, em Abril de 1513 baptizou a península recém-descoberta de "Pascua Florida", o actual Sul do Estado da Flórida. Trata-se (muito convenientemente...), segundo alguns guias turísticos, do actual "Fountain of Youth Park" (155 Magnolia Avenue), em St. Augustine (160 km. de Orlando, 500 km. de Miami). É até possível provar a água ou comprá-la engarrafada, mas não consta que alguém tenha rejuvenescido.

Após uma tentativa infrutífera para estabelecer uma colónia (em Pine Island), a expedição foi repelida pelos índios locais. Ferido por uma seta, o explorador fugiu para Porto Rico, onde veio a morrer.
Também Hernando de Soto desembarcou na Florida em 1539 à frente de pouco mais de 500 aventureiros em busca de minas de ouro e terras para colonizar, iniciando uma longa jornada de exploração que duraria 4 anos atravessando nada menos de 10 dos actuais Estados norte-americanos. O seu último feito foi a descoberta do grandioso Rio Mississippi, no qual viria a morrer.

Conquistador Naufragado
Mas foi a desventura de Pánfilo de Narvaéz que deixou a mais forte impressão na História marítima local. O conquistador dirigia-se a Havana (Cuba), liderando uma frota de 5 navios e 400 homens e algumas das respectivas mulheres, além de 80 cavalos. Mas, em 15 de Abril de 1528, uma tempestade arrastou os navios contra a costa do Sul da Florida.

Encurralados numa terra desconhecida e constantemente assediados pelos numerosos índios locais, os castelhanos atravessaram o interior da península até próximo de Tallahassee, onde improvisaram a construção de algumas embarcações, vendo-se obrigados a comer os seus cavalos antes de embarcarem rumo à salvação.
Os sobreviventes desta odisseia acabaram por descobrir parte do Texas e México actuais antes de conseguirem regressar a casa, em Espanha. Destes, apenas quatro homens sobreviveram para contar a história. A crónica desta ousada expedição, escrita por Alvar Núñez Cabeza de Vaca (explorador, conquistador e autor) que servia como Tenente e tesoureiro da armada, publicada em 1542, ainda hoje fascina leitores do mundo inteiro (veja-se um "post" anterior nosso)

Notícia do "Sun Herald".

sexta-feira, janeiro 02, 2004

O que o Mar tem para nos ensinar

Os Botos de Laguna
Um caso exemplar de benefício mútuo utilizando as capacidades naturais do Homem e dos animais em meio marítimo que perdurou até aos nossos dias.
Em Laguna, no Sul do Brasil (Estado de Santa Catarina), pescadores "tarrafeiros" e golfinhos nariz-de-garrafa (Tursiops Truncatus), conhecidos localmente por "botos", pescam juntos. Na junção das lagoas locais e da foz do Rio Tubarão, num canal que desagua no Atlântico, a água é escura impedindo os nativos de verem os peixes, mas os golfinhos encontram-nos facilmente através do seu órgão emissor de ultrassons.
Os pescadores de pé, em fila, dentro da água, aguardam a chegada dos golfinhos com as redes ("tarrafas") prontas para o arremesso.

Assim que os cardumes de taínhas são localizados e cercados contra a margem das lagoas pelos golfinhos, os pescadores acompanham parte da perseguição e atiram as suas redes.
Os golfinhos nascem e morrem nas lagoas da cidade. Criados dentro do canal, em contacto com os pescadores, vão perdendo o medo e segundo se crê, muitos deles chegam a empurrar os peixes para serem capturados pelos pescadores que conhecem cada golfinho/boto pelo seu nome: "Canivete", "Chinelo", "Jucelino", "Caroba", "Dolores", "Tanguinha", "Chega Mais", "Lata", "Galha Torta" e outros.
Esta pesca original é praticada o ano inteiro, mas é nos meses de Maio e Junho, na desova da taínha, que a pesca é mais frequente, devido à maior quantidade de peixe.
A taínha "Corceira" vem do Sul, em grandes cardumes, e para a desova precisa de águas calmas, por isso ao encontrar lagoas procura refúgio nelas. Os golfinhos/botos são
considerados os grandes amigos dos pescadores naquele local.
O conhecimento sobre esta caça conjunta tem sido transmitido de pai para filho, tanto nas famílias humanas como nas dos golfinhos, segundo se crê. Uma pesca artesanal ambientalmente sã e equilibrada.

Uma notícia na secção "Weird Nature" da BBC, podendo-se obter aqui mais detalhes sobre o fenómeno. Fica também uma sugestão de leitura especializada: Pryor, Karen, Jon Lindbergh, Scott Lindbergh and Raquel Milano, "A Dolphin-Human Fishing Cooperative in Brazil", «Marine Mammal Science», vol. 6, n.º 1 (January 1990) pp. 77-82, publicada pela Society for Marine Mammology (University of Washington, Seattle, WA).

Coral revela origens antigas dos genes humanos
Mais uma vez, o mundo marítimo revela parte dos segredos da vida na Terra.
O ADN dos Invertebrados tem suscitado questões pertinentes sobre os modelos aceites de evolução das espécies.
Os resultados de estudos sobre o coral apontam para que algumas das primeiras formas de vida no plante tenham atravessado o período Pre-Câmbrico (4.600 a 600 milhões de anos antes da nossa era) transportando consigo um conjunto de genes comuns aos humanos. Um exemplo recente mostrou que das 1.300 sequências de genes observadas no coral Acropora Millepora , perto de 500 são idênticas às dos humanos. Esta descoberta indica que muitos genes que se pensava serem específicos à espécie humana podem de facto ter origens bem mais antigas.
Surpreendentemente, muitos destes genes não são partilhados com outros seres como moscas ou vermes, muito embora estes animais se tenham desenvolvido e evoluído milhões de anos após o coral. Daí a questão gerada em redor das pesquisas que utilizam estes organismos como modelos para desvendar da evolução do genoma humano...

Questões científicas primordiais abordadas num artigo da revista «Nature».
O Mar ainda esconde muitas respostas às nossas interrogações. Urge conhecê-lo melhor.