"Não há dúvida senão que se encontram na Baía e nos recôncavos dela muitos homens marinhos a que os índios chamam pela sua língua «upupiara», os quais andam pelo rio da água doce pelo tempo do Verão onde fazem muito dano aos índios pescadores e mariscadores que andam em jangadas onde os tomam e aos que andam pela borda da água metidos nela, a uns e outros apanham e metem-nos debaixo de água onde os afogam, os quais saem à terra com a maré vazia afogados e mordidos na boca, narizes e na sua natura e dizem outros índios pescadores que viram tomar a estes mortos, que viram sobre água uma cabeça de homem lançar um braço fora dela e levar o morto e os que isto viram se acolheram fugindo à terra assombrados, do que ficaram tão atemorizados que não quiseram tornar a pescar senão daí a muitos dias, o que também aconteceu a muitos pretos de Guiné;
os quais fantasmas ou homens marinhos mataram por vezes cinco homens índios e já aconteceu tomar um monstro destes dois índios pescadores de uma jangada e levar um e salvar-se o outro tão assombrado, que esteve para morrer e alguns morrem disto; e um mestre do açúcar do meu engenho afirmou que olhando da janela do engenho que está sobre o rio e de que gritavam umas negras uma noite que estavam lavando umas formas de açúcar e que viu um vulto maior que um homem à borda da água que se lançou logo nela, ao qual mestre de açúcar as negras disseram que aquele fantasma vinha para pegar nelas e que aquele era o homem marinho, as quais estiveram assombradas muitos dias; e destes acontecimentos acontecem muitos no Verão, que no Inverno não falta negro algum".
Homens Marinhos em Terras do Brasil
O texto pertence à obra "Notícias do Brasil: Descrição Verdadeira da Costa Daquele Estado que Pertence à Coroa do Reino de Portugal, Sítio da Baía de Todos-os-Santos" , escrita na década de 1580 por Gabriel Soares de Sousa (1540?-1591), senhor de engenho de açúcar na Baía explorador do sertão baiano, e foi por este apresentada a Filipe I de Portugal (Filipe II de Espanha). Trata-se do Capítulo CXXVII, "Que trata dos homens marinhos".
Este é o mais completo texto descritivo da fauna e flora da área do actual Estado da Baía, assim como dos usos e costumes das inúmeras populações indígenas que aí habitavam. A curiosidade do autor levou-o a registar estes rumores sobre os «upupiara», perigosas criaturas marinhas semi-humanas. Sousa chama-lhes "fantasmas" e relata vários casos de raptos por eles cometidos e o pasmo que ficava em quem os «vira», bem como o medo que se apossava de todos quando de tais seres imaginários se falava.
É certo, porém, que Gabriel Soares de Sousa não é o primeiro autor a prestar atenção aos «upupiara»: num capítulo da sua História da Província de Santa Cruz , publicada em 1576, o cronista Pêro de Magalhães Gândavo ocupa-se do «monstro marinho que se matou na capitania de São Vicente, ano 1564», que aliás chegou a ser representado em desenho.
1 comentário:
Cada animal estranho havia no brasil antigamente!E a destruição do meio ambiente destruiu eles antes de os canhecermos!
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