No passado mês de Novembro, surgiram notícias sobre um naufrágio no Panamá que alguns investigadores identificam como sendo «La Vizcaina», um dos navios abandonados por Cristóvão Colombo na sua quarta e derradeira viagem ao Novo Mundo, em 1503-1504.
Segundo Carlos Fitzgerald, Director Nacional do Património Cultural do Instituto Nacional de Cultura do Panamá (INAC), aguarda-se em breve um acordo de cooperação para investigação futura, celebrado entre o Instituto de Arqueologia Náutica (INA) da Universidade do Texas A&M e o Marine Investigations of the Isthmus (IMDI), grupo privado que recolheu os primeiros artefactos do naufrágio em 2001. Este acordo possibilitará o início de investigação arqueológica para analisar aquele que é um dos mais antigos naufrágios descobertos no Novo mundo.
História rocambolesca
O naufrágio, descoberto em 1998 em Playa Damas, próximo de Nombre de Dios, ao largo da costa caribenha do Panamá em apenas 6 metros de profundidade pelo mergulhador e historiador amador norte-americano Warren White, tem suscitado o interesse de vários grupos. Um dos primeiros foi o IMDI, uma companhia de caça ao tesouro dirigida pelo próprio Warren White, Nilda Vázquez e um grupo de investidores e técnicos.
Desde então, White afastou-se do IMDI e tem denunciado a ameaça que pende sobre o naufrágio devido à intenção do grupo para retirar mais artefactos deste navio. Sabendo que a própria Nilda Vázquez admite a falta de conhecimento e metedologia arqueólogica do IMDI, de maneira a proceder a uma escavação em regra, foi chamado a intervir o INA, instituto reputado mundialmente possuidor das credenciais arqueológicas necessárias e negociou-se apoio financeiro para as campanhas científicas, prestado pela grupo de "media" alemão Der Spiegel.
Um Português no Panamá
As negociações com o INAC sobre a escavação integral do sítio de naufrágio estão agora na sua fase final. Embora o director Nacional do Património tenha informado que o IMDI não possui direitos legais para exploração do naufrágio ou remoção de mais arfactos, o português Filipe Castro (dirigiu as escavações da nau da Índia «Nossa Senhora dos Mártires» na barra do Tejo entre 1996 e 2000), professor assistente no INA e director de projecto do naufrágio de Playa Damas apresentou recentemente uma proposta formal para colaboração com o director do IMDI Ernesto Cordovez (filho de Nilda Vázquez), para rápida resolução da questão. O acordo final evitará o confronto legal entre a Direcção do Centro Nacional de Cultura e o grupo IMDI, que ameaçou levar o caso a tribunal, caso não lhe seja permitido prosseguir a sua actividade no naufrágio.
Um naufrágio importante a estudar
Provas factuais, incluindo datações por Carbono 14 e dendrocronologia (análise dos aneis de crescimento nas peças de madeira) realizadas pela Academia das Ciências de Heidelberg sugerem uma concordância cronológica entre a época em que o navio foi construído e a sua possível utilização na quarta armada de Colombo. De qualquer modo, sendo comprovadamente contemporâneo da «Vizcaina» de Colombo, trata-se sem dúvida de um navio de finais do séc. XV a inícios do séc. XVI, tornando-se por isso um raro exemplar para o estudo directo dos navios da Expansão e Descobrimentos ibéricos. O Dr. Donald Keith, director do grupo de arqueologia náutica "Ships of Discovery", após uma inspecção preliminar da artilharia, cerâmica e madeiras recuperadas do naufrágio, pensa não se tratar do próprio Vizcaína, mas concorda com a importância da pesquisa a efectuar.
O naufrágio de Playa Damas foi já declarado Património Nacional pelo Governo do Panamá, de acordo, com a legislação aprovada em Agosto deste ano, baseada na Convenção da UNESCO para o Património Submerso, em que se declaram todos os sítios de naufrágios históricos como Património Nacional.
A recuperação de artefactos pelo grupo privado IMDI iniciou-se em 2001e e foi documentada em video (disponível no "site" do "Archaeology Channel"). No entanto, Fitzgerald declarou que o Governo do Panamá nunca concedeu permissão escrita ao grupo IMDI para proceder a escavações ou recuperações no sítio do naufrágio, tendo apenas acordado a remoção de uma série específica de objectos mais valiosos que poderiam vir a ser alvo de roubo. Este alegado mal-entendido relativamente ao acordo entre as duas partes chegou a estar na origem de um diferendo entre o grupo IMDI e o Instituto Nacional de Cultura do Panamá, instituição governamental responsável pelo património histórico e arqueológico.
Espera-se que o acordo para o estudo científico do naufrágio de Playa Damas estabeleça um precedente na gestão do património cultural do Panamá, de modo a beneficiar a história local e enriquecer o nosso conhecimento sobre uma das fases pioneiras da colonização do Novo Mundo, evitando a sua destruição às mãos de empresas de caça ao tesouro cuja única finalidade se reduz a produzir lucro para um punhado de investidores.
As Naus voltam a Portugal
Aproveitamos esta ocasião para informar que o Dr. Filipe Vieira de Castro estará este mês em Lisboa para o lançamento do seu livro A Nau de Portugal: Os Navios da Conquista do Império do Oriente, 1489-1650 , publicado pela Editora Prefácio no próximo dia 18 de Dezembro, às 18:00 horas, no Clube Militar Naval, em Lisboa (Av. Defensores de Chaves, n.º 44).
Estão convidados todos os marítimos com gosto pela história e pelos mares de outrora.
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