quinta-feira, novembro 06, 2003

Joseph Conrad, o Mar e o Escritor

O Marinheiro


Depois de se encontrar quase órfão por vicissitudes várias, sob a tutela do tio, aos 17 anos, o jovem polaco Jósef Teodor Konrad Walecz Korzeniowski (1857-1924) tomou uma atitude de vida igual à do baleeiro Melville e do viajante Stevenson: partiu para Marselha, em França, e aí tentou a vida como marinheiro.

Serviu na marinha francesa durante três anos e aí ganhou a experiência a bordo de dois veleiros, antes de se juntar ao «Tremolino» em viagens de contrabando. O destino fê-lo cruzar-se com navios ingleses e não faltou muito para que entrasse ao serviço de Sua Magestade a Raínha Vitória, fazendo carreira na Marinha mercante inglesa durante nada menos de 16 anos. Promoção após promoção, o jovem Conrad progrediu na carreira marítima de simples marinheiro a oficial de bordo. O ano de 1886 foi de particular importância para o autor, pois não só a partir dessa data ficou habilitado a comandar o seu próprio navio, o «Otago», como lhe foi concedida nacionalidade britânica, alterando oficialmente o seu nome original para Joseph Conrad. Durante duas décadas, fez do mundo marítimo a sua casa.

Conrad velejou pelos mares do mundo inteiro, partindo do Atlântico pelo Pacífico onde esteve na Austrália, em vários portos do Índico, e nas ilhas de Bornéu e da América do Sul. Em 1890 navegou em África pelo rio Congo acima. Esta viagem reveladora permitiu-lhe recolher os elementos para um dos seus clássicos, Heart of Darkness.

Depois de reformado da Marinha, em 1894, o marinheiro Conrad iniciou a sua carreira de escritor. Já durante as suas longas jornadas marítimas, em que começara a escrever, o autor decidira dedicar-se inteiramente à Literatura. De entre as suas primeiras obras, destacam-se The Nigger of the «Narcissus» (1897), Lord Jim (1900), Heart of Darkness (1902), Typhoon (1903) e The Mirror of the Sea (1906). Já os romances Nostromo (1904), The Secret Agent (1907), Under Western Eyes (1911) e Chance (1913) são considerados os melhores textos de Joseph Conrad.

O Escritor


Caracterizados por um estilo de escrita criativa e descritiva, os romances de Conrad combinam realismo e dramatismo. Tendo testemunhado o poder do mar na primeira pessoa, desenvolveu uma visão determinista do Mundo. Os panos de fundo dos seus enredos incluem vezes sem conta cenários náuticos. Por muito que o próprio escritor tenha negado e até desencorajado a interpretação dos seus romances marítimos como à luz de elementos autobiográficos, o certo é que muitas das suas obras contêm mesmo informações, eventos, e personalidades que o próprio Conrad conheceu nos mais variados e distantes partes do Mundo.

A Obra: entre a Esperança e o Desencanto


O seu primeiro romance, Almayer’s Folly , surgiu em 1895. Numa viagem ao arquipélago malaio, conheceu um holandês ambicioso e sonhador, negociante nos rios e selvas tropicais da ilha de Bornéu, que fez despertar o escritor que havia sob o homem do mar: "Não tivesse a oportunidade de conhecer Almayer, é quase certo que jamais teria escrito uma linha", comentou. O resultado deste encontro foi este livro, que começou a ser escrito ainda a bordo do seu navio. Escrito em inglês, a sua terceira língua, após o polaco e o francês, o romance agradou à crítica e ao público, assinalando uma nova carreira para o veterano marinheiro.

Uma das grandes inovações de Conrad foi introduzir, sob a aparência do simples romance de aventuras, uma dimensão psicológica profunda entre os personagens, de forma a dar conta da tragédia existencial da condição humana. Nesta história, o inferno tropical passa a ser a alegoria de uma prisão que é a própria vida, um território real e particular usado como cenário imaginário para uma parábola universal da condição humana. Aqueles que Almayer chama de selvagens não são menos bárbaros que o branco colonizador. Estão todos no mesmo barco. Escapar à miséria do mundo é, na sua visão, uma impossibilidade.

Seguiram-se em breve outras histórias na mesma linha de aventura marítima.
O exotismo do mar e as desventuras com se defrontou nas ilhas malaias não mais deixaram a sua escrita, em livros como An Outcast of the Islands (1896) e Lord Jim (1900), a história de um tripulante que abandona o navio em perigo. Para Conrad, o mar era o laboratório em que estudava seus heróis solitários: "Toda a minha preocupação foi chegar ao valor ideal das coisas...". E que melhor local para consegui-lo que no alto-mar?

The Nigger of the «Narcissus» (1897) é uma história complexa despoletada por uma tempestade ao largo do Cabo da Boa Esperança e de um enigmático marinheiro negro. Por seu lado, a história de Lord Jim (1900) é narrada por um personagem fitício, Charlie Marlow, em volta da perda espiritual e redenção de um jovem marinheiro.

O início do conto é baseado parcialmente em acontecimentos verídicos: em 1880, o capitão e tripulação do navio a vapor «Jeddah» abandonaram o navio, que transportavam peregrinos muçulmanos, pouco depois de começar a meter água. O «Jeddah» e os seus passageiros só se salvaram com a intervenção providencial de um outro navio a vapor. O primeiro official de serviço acabaria por ser condenado por incitamento à deserção do navio. Lord Jim descreve o acidentado percurso de vida de um oficial da marinha inglesa perseguido pelo sentimento de culpa pela própria cobardia, depois de ter abandonado o seu navio, o «Patna», bem como os seus passageiros, numa tormenta. No decorrer da viagem em direcção a Meca, o navio tinha colidido com um objecto em alto-mar e quando a tripulação baixa o bote salva-vida para evacuar os passageiros, Jim impulsivamente salta para o seu interior. Contrariamente aos temores da tripulação, o navio não se afunda e Jim é levado a julgamento. Após a desgraça, Jim atravessa um sem número de ocupações, em terra, até que encontra trabalho numa agência commercial, onde vem a mercer a confiança do seu superior, Doramin, e se torna numa figura respeitável. Quando o forasteiro Brown e os seus companheiros de aventura europeus, Jim promete a Doramin que Brown e os seus homens sairão da ilha sem violência. Porém, apesar das boas intenções, o filho de Doramin é morto e Jim é obrigado finalmente a confrontar-se com o seu passado - Jim deixa-se ser alvejado pelo atormentado Doramin.
No final, Jim torna-se num obscuro conquistador da fama, humilde mas cheio de valor e compreensão humanos. Afinal, ao longo da história, Jim abandona a sua cegueira moral e inocente para aceitar a realidade e as suas consequências.

Mas Conrad também retratou de forma dramática o conflito entre as culturas colonizadas e a civilização moderna do mundo ocidental. Os seus personagens demonstram as capacidades e os limites do isolamento humano e a deterioração moral na vida moderna.

Justamente, uma viagem que Conrad liderou pelo rio Congo acima decorrida em 1890 tornou-se na inspiração para redigir Heart of Darkness , no qual expõe o frágil tecido que mantém de pé a "civilização" e o horror das atitudes brutais exercidas pelo colonialismo europeu. Aliás, a sua indignação e condenação do colonialismo encontram-se bem testemunhadas no diário que manteve ao longo da sua jornada. Marlow, o protagonista, sobe o rio Congo ao serviço de uma companhia comercial belga e nesta aventura encontra Kurtz, um enigmático traficante de marfim que assumiu uma existência quase divina no local mais recôndito do rio, em meio à selva densa do interior congolês. Marlow teme esta inquietante personagem, mas ao mesmo tempo sente-se fascinado e apossado de uma enorme curiosidade. O pequeno mundo criado por Kurtz exala corrupção, desespero e as profundas trevas humanas que Conrad acreditava encontrar-se no coração de cada experiência humana.

Em Heart of Darkness , a experiência da viagem ao interior de uma das maiores colónias europeias em África transfigura-se numa inquietante busca de verdades interiors. Para esta obra, Conrad serviu-se também das informações geográficas de um outro evento histórico, a expedição de Henry Stanley, jornalista e aventureiro norte-americano no mesmo rio Congo em busca do desaparecido explorador David Livingstone em meados da década de 1870, para enriquecer o cenário do seu livro..


O Fim


Os últimos anos da sua vida foram marcados pela doença, sofrendo gravemente de reumatismo. O escritor ainda recusou o grau de Cavaleiro do Império Britânico em 1924, tal como o fizera antes com graus honoríficos académicos concedidos por conco universidades. Conrad continuou a escrever até aos seus últimos dias, tendo publicado o seu último romance, The Nature of Crime, em 1924. Por fim, o escritor sucumbiu a um ataque cardíaco em 3 de Agosto de 1924. À imagem das suas andanças, os seus livros estão hoje quase todos disponíveis nos mais variados suportes virtuais em formato electrónico para os leitores de todo o Mundo.

O Legado


A sua influência na Literatura do séc. XX foi de grande amplitude: Ernest Hemingway expressou especial admiração pelo autor, e a inspiração na sua obra está patente em muitos outros grandes escritores, como F. Scott Fitzgerald, T. S. Eliot, Marcel Proust, André Malraux, Jean-Paul Sartre e Graham Greene.
Apesar de Conrad nunca ter apreciado trabalhar para a indústria do Cinema, e de não saber (ou não querer) adaptar os seus textos para guiões, vários dos seus romances foram mesmo transpostos para o grande ecrã. As adaptações mais famosas foram The Sabotage (1936), por Alfred Hitchcock, baseado em The Secret Agent (1907), Lord Jim (1964), realizado por Richard Brooks e o já mítico Apocalypse Now (1979), dirigido magistralmente por Francis Ford Coppola, baseado em Heart of Darkness. Este filme-culto encerra justamente toda a demência da experiência humana em condições extremas, denunciadas no texto inspirador de Conrad escrito oitenta anos antes.

A mesma perspectiva surge no final do séc. XX em The Beach (2000), filme no qual o protagonista (Leonardo di Caprio) na força da juventude, alimentando visões românticas de um paraíso perdido, se depara brutalmente com a ambição e corrupção destruidora, transformando o pequeno mundo idílico num inferno de contradições e incompreensões. O despedaçar de um sonho que mais não é do que um duro acordar para a realidade.

Também se produziu a mini-série televisiva Nostromo (1996), na qual o actor Joaquim de Almeida personifica o Coronel Sotillo. Curiosamente, uma segunda versão de The Secret Agent foi realizada por Christopher Hampton, nascido na ilha do Faial (Açores), com Gérard Dépardieu e Patricia Arquette, mas sem sucesso comercial.

Em 1934, o nome de Joseph Conrad foi justamente concedido a um navio-escola veleiro norte-americano (cujas viagens marítimas já produziram por sua vez outros dois livros por Alan Villiers) que ainda hoje percorre os mares já navegados pelo escritor.

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