domingo, setembro 07, 2003

A Admirável Jangada de Pedra

A fortuna busca-se desde tempos imemoriais no mar mas, vezes sem conta, encontra-se a tragédia. Nós, portugueses, sabemos disso. Ou melhor, soubemos. Apenas pontos solitários no vasto oceano onde o infortúnio os depôs, muitos antepassados nossos penaram na gesta da expansão. A imensa estrada transoceânica que atingia a Índia e a China foi feita de esqueletos de navios e homens. Hoje, a pimenta, as naus, o "império", tudo ficou para trás e desapareceu. Fechou-se o ciclo e até ajudámos, à  nossa maneira, ao nascimento de uma nova nação, Timor Loro-Sae. Mas a herança da jangada de pedra é pesada, de muitas maneiras. A continuada dependência do exterior para manter este país a funcionar: aqui nada se produz, tudo se consome. Uma cultura partilhada com outros povos que já mal falam português. Hábitos houve que não mais abandonaram o nosso código genético: emigrantes e mercadores saí­dos de um país de lavradores e pescadores mantêm acesa nos nossos dias a chama da alma portuguesa, quais marí­timos navegando as auto-estradas de oportunidades sempre renovadas. Uma vitalidade admirável, em meio a uma alegre decadência generalizada. Dizem que nos adaptamos bem a tudo, menos à nossa própria História. É verdade. O português esquece-se facilmente que, depois de dividir ao meio o mundo por descobrir com os nossos rivais ibéricos, já estivemos nas melhores praias do mundo (com os melhores "spots"), já construímos (em grande parte) a maior potência sul-americana cujo nome deriva do pau-brasil, já demos de beber o chá aos ingleses, já fomos os primeiros europeus a atingir as regiões então inacessíveis do Tibete e do Japão, ensinámos a navegar meia Europa e demos cartas (do mundo inteiro) na ciência do desenho cartográfico. Fomos a primeira potência naval europeia, à nossa maneira. Outros tantos navegadores, portugueses ou não, nunca mais deixaram as nossas águas desde o dia em que meteram água; ainda hoje lá se encontram, no fundo do mar à espera daquele que irá desenterrar a sua história. Porque ainda há histórias que ficaram por lembrar. É o que me proponho contar aqui, enquanto a jangada flutuar. Assim haja arte, tempo e maré...

Sem comentários: