Vida Marinha na Antiguidade
A primeira descrição de cariz científico sobre peixes ocorre pela mão de Aristóteles, que mencionou no séc. IV a.C. diversos factos acerca de 118 espécies, o que lhe valeu ser reconhecido na época moderna como o primeiro grande antecessor dos zoólogos.
A partir das observações sistemáticas realizadas ao longo de 5 anos no "habitat" natural da ilha de Lesbos, no Mar Egeu, o filósofo grego redige a "História dos Animais" "Historia Animalum"; outra transcrição online aqui) em 350 a.C..
Na sua escola de Atenas, fundada sob o reinado de Alexandre o Grande, Aristóteles prosseguiu as pesquisas do mundo animal, desenvolvendo um método eficaz e rigoroso e procedendo a dissecções, contribuindo para uma classificação das espécies segundo a complexidade da sua alma.
Os Peixes no Renascimento
A partir do início do séc. XVI, os artistas europeus inspiram-se cada vez mais directamente do mundo natural, na tentativa de capturar em detalhe os segredos e mecanismos dos animais e plantas, que se tornam objecto de interesse. Simultaneamente, naturalistas e amadores coleccionavam e analizavam elementos do mundo físico, divulgando os novos conhecimentos da Natureza em gravuras e obras ilustradas. Nestes estudos, arte e observação congregam dois modos de conhecimento que convergiram de modo ímpar no Renascimento: o estético e o científico.
O interesse actual por estas raras iniciativas está patente no desafio colocados pelo rudimentares meios técnicos disponíveis para realizar observações e registos, assim como a inacessibilidade dos fundos oceânicos. Também a particular fragilidade dos animais aquáticos que se decompõem rapidamente uma vez retirados do seu meio natural, desaparecendo as cores originais, supôs um grande obstáculo à análise e correcta ilustração dos espécimens.
Pioneiros do Estudo da Fauna Aquática
O médico francês Pierre Bélon (1517-1564) adquiriu renome quando em 1551 publicou L'Histoire Naturelle des Estranges Poissons Marins avec la vraie peincture et description du Daulphin et de plusieurs autres de son espèce. Parte do sucesso deveu-se à mescla de observações científicas com elementos fantásticos de criaturas lendárias. O facto de ser uma das primeiras obras de cariz científico escrita em francês também explica a sua ampla divulgação.
Bélon, considerado o pai da anatomia comparativa e da embriologia, compôs diversas outras obras que se caracterizam pela atenção prestada ao pormenor e erudição, tais como De Arboribus Coniferis, Histoire de la Nature des Oiseaux, além de um relato das suas viagens ao Médio Oriente, sendo considerado como precursor dos estudos de anatomia comparada. Por ordem de Francisco I de França, empreendeu uma viagem científica no Mediterrâneo Oriental, recolhendo informações sobre animais exóticos, como a girafa, o crocodilo e o camaleão. Quanto à sua História Natural, o autor revela-nos o resultado das suas observações do golfinho, ocupando-se em pesquisas improvisadas durante as visitas ao mercado de peixe que frequentava, onde estudava os restos ósseos do animal, comparando-os com representações clássicas de golfinhos da Roma antiga. Curiosamente, Bélon relaciona o desconhecimento zoológico do golfinho com interdições alimentares tradicionais do Mediterrâneo, bem como ao carácter mitológico do animal.
Dois anos mais tarde, publicou outro importante compêndio, De Aquatilibus Libri Duo (1553), mais tarde traduzido como La Nature et Diversité des Poissons, avec leurs pourtraictz représentez au plus près du naturel (1555), uma das primeiras obras ilustradas de recolha pré-científica especificamente dedicada aos peixes e animais aquáticos.
A progressiva atenção dedicada à descrição da Natureza significou que as suas representações se foram aproximando gradualmente da realidade, como quando Guillaume Rondelet (1507-1566) publicou o tratado De Piscibus Marinum in quibus verae piscium effigies expressa (1554), no qual são descritas perto de 250 espécies de animais marinhos cujas características morfológicas são representadas em dezenas de gravuras.
Considerado o pai da Ictiotomia ou anatomia dos peixes, veio dar sentido ao termo "peixe". Antes do reconhecimento do seu trabalho, "peixe" era aplicável a qualquer animal aquático, vertebrado ou não. Rondelet distinguiu anatómicamente os sistemas orgânicos com tal minúcia, a ponto de distinguir claramente o grupo de peixes que respiram através das brânquias, dos mamíferos aquáticos, cuja mencionada função é exercida por órgãos mais complexos denominados pulmões.
Entre 1551 e 1558 o médico suíço Konrad Gessner (1516-1565) publica a monumental Historia Animalium (dividida em 5 Livros, contendo 4.500 páginas abundantemente ilustradas, de grande impacto na Europa renascentista. Trata-se da mais importante compilação zoológica do Renascimento, na qual se sintetizou o conhecimento da época sobre o reino animal.
O quinto volume, "Liber Quartus, qui est de Piscium et Aquatilium animantium natura" (1558) contém descrições de peixes e outros animais aquáticos. Embora imbuído de uma concepção medieval tanto pela sua organização alfabética, como pela profusão de informativa não estritamente zoológica que recolhe (como os usos medicinais, as virtudes morais ou as referências literárias e históricas dos animais que regista), foi o ponto de partida imprescindível a todos os estudios zoológicos posteriores.
Gessner, típico homem multifacetado do Renascimento, auto-intitulava-se "Filósofo, Doutor, Gramático, Filólogo, Poeta e Estudante de Todas as Línguas", mas destacou-se como um dos maiores naturalistas de Quinhentos.
Outro dos pioneiros naturalistas foi Ippolito Salviani (1514-1572). Em Roma, onde praticava Medicina e se ocupava na investigação da vida marinha, o seu talento, formação e afeição pela História Natural mereceram-lhe a amizade do Cardeal Cervini, conseguindo ser nomeado médico do Papa Júlio III. O apoio financeiro do seu generoso mecenas possibilitou a recolha de elementos de França, Alemanha, Inglaterra e da Grécia, relativos às representações morfológicas dos peixes que se propôs descrever, assim como o estabelecimento de uma oficina tipográfica em sua casa para a impressão da sua obra monumental sobre os peixes do Mediterrrâneo, "Aquatilium Animalium Historiae Liber Primus", publicada entre 1554 e 1558.
A primeira descrição de cariz científico sobre peixes ocorre pela mão de Aristóteles, que mencionou no séc. IV a.C. diversos factos acerca de 118 espécies, o que lhe valeu ser reconhecido na época moderna como o primeiro grande antecessor dos zoólogos.
A partir das observações sistemáticas realizadas ao longo de 5 anos no "habitat" natural da ilha de Lesbos, no Mar Egeu, o filósofo grego redige a "História dos Animais" "Historia Animalum"; outra transcrição online aqui) em 350 a.C..
Na sua escola de Atenas, fundada sob o reinado de Alexandre o Grande, Aristóteles prosseguiu as pesquisas do mundo animal, desenvolvendo um método eficaz e rigoroso e procedendo a dissecções, contribuindo para uma classificação das espécies segundo a complexidade da sua alma.
Os Peixes no Renascimento
A partir do início do séc. XVI, os artistas europeus inspiram-se cada vez mais directamente do mundo natural, na tentativa de capturar em detalhe os segredos e mecanismos dos animais e plantas, que se tornam objecto de interesse. Simultaneamente, naturalistas e amadores coleccionavam e analizavam elementos do mundo físico, divulgando os novos conhecimentos da Natureza em gravuras e obras ilustradas. Nestes estudos, arte e observação congregam dois modos de conhecimento que convergiram de modo ímpar no Renascimento: o estético e o científico.
Réunion des Musées Nationaux (França) |
O interesse actual por estas raras iniciativas está patente no desafio colocados pelo rudimentares meios técnicos disponíveis para realizar observações e registos, assim como a inacessibilidade dos fundos oceânicos. Também a particular fragilidade dos animais aquáticos que se decompõem rapidamente uma vez retirados do seu meio natural, desaparecendo as cores originais, supôs um grande obstáculo à análise e correcta ilustração dos espécimens.
Pioneiros do Estudo da Fauna Aquática
O médico francês Pierre Bélon (1517-1564) adquiriu renome quando em 1551 publicou L'Histoire Naturelle des Estranges Poissons Marins avec la vraie peincture et description du Daulphin et de plusieurs autres de son espèce. Parte do sucesso deveu-se à mescla de observações científicas com elementos fantásticos de criaturas lendárias. O facto de ser uma das primeiras obras de cariz científico escrita em francês também explica a sua ampla divulgação.
Bélon, considerado o pai da anatomia comparativa e da embriologia, compôs diversas outras obras que se caracterizam pela atenção prestada ao pormenor e erudição, tais como De Arboribus Coniferis, Histoire de la Nature des Oiseaux, além de um relato das suas viagens ao Médio Oriente, sendo considerado como precursor dos estudos de anatomia comparada. Por ordem de Francisco I de França, empreendeu uma viagem científica no Mediterrâneo Oriental, recolhendo informações sobre animais exóticos, como a girafa, o crocodilo e o camaleão. Quanto à sua História Natural, o autor revela-nos o resultado das suas observações do golfinho, ocupando-se em pesquisas improvisadas durante as visitas ao mercado de peixe que frequentava, onde estudava os restos ósseos do animal, comparando-os com representações clássicas de golfinhos da Roma antiga. Curiosamente, Bélon relaciona o desconhecimento zoológico do golfinho com interdições alimentares tradicionais do Mediterrâneo, bem como ao carácter mitológico do animal.
Dois anos mais tarde, publicou outro importante compêndio, De Aquatilibus Libri Duo (1553), mais tarde traduzido como La Nature et Diversité des Poissons, avec leurs pourtraictz représentez au plus près du naturel (1555), uma das primeiras obras ilustradas de recolha pré-científica especificamente dedicada aos peixes e animais aquáticos.
A progressiva atenção dedicada à descrição da Natureza significou que as suas representações se foram aproximando gradualmente da realidade, como quando Guillaume Rondelet (1507-1566) publicou o tratado De Piscibus Marinum in quibus verae piscium effigies expressa (1554), no qual são descritas perto de 250 espécies de animais marinhos cujas características morfológicas são representadas em dezenas de gravuras.
Considerado o pai da Ictiotomia ou anatomia dos peixes, veio dar sentido ao termo "peixe". Antes do reconhecimento do seu trabalho, "peixe" era aplicável a qualquer animal aquático, vertebrado ou não. Rondelet distinguiu anatómicamente os sistemas orgânicos com tal minúcia, a ponto de distinguir claramente o grupo de peixes que respiram através das brânquias, dos mamíferos aquáticos, cuja mencionada função é exercida por órgãos mais complexos denominados pulmões.
Entre 1551 e 1558 o médico suíço Konrad Gessner (1516-1565) publica a monumental Historia Animalium (dividida em 5 Livros, contendo 4.500 páginas abundantemente ilustradas, de grande impacto na Europa renascentista. Trata-se da mais importante compilação zoológica do Renascimento, na qual se sintetizou o conhecimento da época sobre o reino animal.
O quinto volume, "Liber Quartus, qui est de Piscium et Aquatilium animantium natura" (1558) contém descrições de peixes e outros animais aquáticos. Embora imbuído de uma concepção medieval tanto pela sua organização alfabética, como pela profusão de informativa não estritamente zoológica que recolhe (como os usos medicinais, as virtudes morais ou as referências literárias e históricas dos animais que regista), foi o ponto de partida imprescindível a todos os estudios zoológicos posteriores.
Gessner, típico homem multifacetado do Renascimento, auto-intitulava-se "Filósofo, Doutor, Gramático, Filólogo, Poeta e Estudante de Todas as Línguas", mas destacou-se como um dos maiores naturalistas de Quinhentos.
Outro dos pioneiros naturalistas foi Ippolito Salviani (1514-1572). Em Roma, onde praticava Medicina e se ocupava na investigação da vida marinha, o seu talento, formação e afeição pela História Natural mereceram-lhe a amizade do Cardeal Cervini, conseguindo ser nomeado médico do Papa Júlio III. O apoio financeiro do seu generoso mecenas possibilitou a recolha de elementos de França, Alemanha, Inglaterra e da Grécia, relativos às representações morfológicas dos peixes que se propôs descrever, assim como o estabelecimento de uma oficina tipográfica em sua casa para a impressão da sua obra monumental sobre os peixes do Mediterrrâneo, "Aquatilium Animalium Historiae Liber Primus", publicada entre 1554 e 1558.
Assim, as grandes obras de pesquisa baseadas na experiência e na observação surgem nesta época, como os estudos fundamentais Histoire Naturelle des Poissons do francês Guillaume Rondelet, do italiano Ippolito Salviani (primeiro estudo dos peixes ilustrado em gravuras especialmente preparadas) e do bolonhês Ulisse Aldrovandi (1522-1605), De Piscibus Libri V et De Cetis Libri Unus (1613), publicado pelos próprios alunos a partir dos seus manuscritos (parte de uma imensa obra de 12 volumes contendo mais de 5.000 ilustrações), e de John Johnston, Theatrum Universale Omnium Animalium Piscium, Avium, Quadrupedum, Exanguium, Aquaticorum, Insectorum, et Angium (publicado em 1650).
Os cadernos de aguarelas soberbas de Aldrovandi conservados na Biblioteca da Universidade de Bolonha estão disponíveis online.
Todos estes estudos zoológicos ilustrados abrangem a Arte e a Ciência no início da sua maturidade. Se, por um lado, o seu objectivo principal é científico, muitas delas incluem imagens novamente realizadas de extraordinário valor estético e artístico.
Georg Markgraf: um Humanista nos Trópicos
Já no século XVII outros exploradores depararam-se com novas espécies de peixes. O alemão Georg Markgraf, por exemplo, adicionou mais de uma centena ao conjunto já conhecido.
Maurício de Nassau embarcou com uma comitiva de pintores, artistas e cientistas 150 anos antes das expedições de Alexander von Humboldt pela América Latina. O resultado está contido neste "corpus" artístico e científico sem precedentes de quadros, gravuras e desenhos únicos, mapas e levantamentos da fauna e flora brasileiras ricamente ilustrados. Este material ajudou a formar a imagem do Novo Mundo na Europa, numa época em que só havia relatos mais ou menos fantasiosos sobre os nossos índios canibais.
O resultado desta expedição patrocinada pela Companhia das Índia Ocidentais holandesa foi a extraordinária compilação intitulada Historiae Rerum Naturalium Brasiliae (publicada em Amsterdam, 1648), cuja tradução em português se encontra acessível onlin aqui (infelizmente, de fraca qualidade). Trata-se do primeiro estudo científico de História Natural do Brasil, e o mais importante livro de referência neste domínio até ao século XIX.
Pies redigiu a primeira parte com as suas observações médicas sobre a botânica e drogas naturais, enquanto que a parte de Markgraf é póstuma, contendo as suas notas sobre as plantas, peixes, aves, mamíferos, répteis e insectos locais, assim como a geografia e os habitantes. Este estudo tornou-se na mais importante obra de referência sobre este tema até ao séc. XIX.
Os cadernos de aguarelas soberbas de Aldrovandi conservados na Biblioteca da Universidade de Bolonha estão disponíveis online.
Todos estes estudos zoológicos ilustrados abrangem a Arte e a Ciência no início da sua maturidade. Se, por um lado, o seu objectivo principal é científico, muitas delas incluem imagens novamente realizadas de extraordinário valor estético e artístico.
Georg Markgraf: um Humanista nos Trópicos
Já no século XVII outros exploradores depararam-se com novas espécies de peixes. O alemão Georg Markgraf, por exemplo, adicionou mais de uma centena ao conjunto já conhecido.
Maurício de Nassau embarcou com uma comitiva de pintores, artistas e cientistas 150 anos antes das expedições de Alexander von Humboldt pela América Latina. O resultado está contido neste "corpus" artístico e científico sem precedentes de quadros, gravuras e desenhos únicos, mapas e levantamentos da fauna e flora brasileiras ricamente ilustrados. Este material ajudou a formar a imagem do Novo Mundo na Europa, numa época em que só havia relatos mais ou menos fantasiosos sobre os nossos índios canibais.
Exemplares inéditos, como a piranha, o mucu (lampreia) e a aracatuaia (peixe-galo) resultam das observações de Willem Pies (1611-1678), médico e naturalista holandês, e Georg Markgraf (1610-1644), naturalista alemão, que acompanharam em 1638 o príncipe Maurício de Nassau-Siegen na sua viagem ao Brasil, onde tomou posse como governador das efémeras colónias holandesas no Nordeste recém-conquistado. Willem Pies foi médico do príncipe e percorreu o país durante 6 anos juntamente com Markgraf.O resultado desta expedição patrocinada pela Companhia das Índia Ocidentais holandesa foi a extraordinária compilação intitulada Historiae Rerum Naturalium Brasiliae (publicada em Amsterdam, 1648), cuja tradução em português se encontra acessível onlin aqui (infelizmente, de fraca qualidade). Trata-se do primeiro estudo científico de História Natural do Brasil, e o mais importante livro de referência neste domínio até ao século XIX.
Pies redigiu a primeira parte com as suas observações médicas sobre a botânica e drogas naturais, enquanto que a parte de Markgraf é póstuma, contendo as suas notas sobre as plantas, peixes, aves, mamíferos, répteis e insectos locais, assim como a geografia e os habitantes. Este estudo tornou-se na mais importante obra de referência sobre este tema até ao séc. XIX.