sábado, fevereiro 28, 2004

Agradecimentos e Recomendações

Ao "Diário de Bordo", que continua a maravilhar-nos com as suas sábias deambulações por terras escandinavas, assim como aos curiosos "Conta Natura" , "Gasolim" e "Digitalis", pelas suas amigáveis visitas e "links" a este vosso "blog". Filosofia, Biologia, Psicologia, Poesia e alguma Fotografia são específicos destas embarcações de águas profundas.

Referência especial ao Luís Serpa, do "Don Vivo", que entre excertos de Borges e sugestões gastronómicas, regadas de boa pinga, nos brinda com a partilha de um raro prazer na Blogosfera: a navegação à vela e estórias vividas no Mar (a propósito, o Henrique continua a surpreender pelas suas narrativas marítimas, a não perder): recomendo, entre outras iguarias, o "post" sobre a Navegação no Lago Tanganyika. A arte de bem navegar na Blogosfera, ao correr do teclado.

P.S. Já terão reparado em algumas incongruências gráficas ocorridas recentemente neste humilde "blog". A casa está em obras e o hábil empreiteiro está em pleno trabalho. Espero exibir a nova fatiota em breve.

sexta-feira, fevereiro 27, 2004

"Doggerland": Mundo Submerso sob o Mar do Norte

Quando o Canal da Mancha era apenas uma extensão de terra
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A cartografia da paisagem pré-histórica do fundo do actual Canal da Mancha está a ser revelada por uma equipa multi-disciplinar de cientistas da Universidade de Birmingham, reunindo arqueólogos, geólogos e engenheiros informáticos. "Doggerland" foi o nome com que os geólogos baptizaram a antiga região, devido ao nome do mais alto cume submerso, denominado Dogger Bank, no qual diversos artefactos pré-históricos têm sido achados fortuitamente por pescadores e geólogos. Actualmente, está em curso o Projecto Doggerland dirigido pela Universidade de Exeter, que incluirá prospecções subaquáticas mais detalhadas dos fundos do Mar do Norte.

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Para realizar esta ambiciosa reconstituição em 3 dimensões, a equipa recorreu a dados sísmicos fornecidos pela companhia Petroleum Geo-Services que serve a Indústria de exploração de Petróleo e Gás (confirmando os bons frutos de parcerias semelhantes nos Estados Unidos, como noticiámos em "post" recente), afim de compôr uma visualização desta vasta antiga planície que unia as ilhas britânicas à Europa no período Mesolítico, há 10.000 anos atrás, tendo sido submergida há perto de 8.000 anos, encontrando-se hoje o nível do mar (em média) cerca de 100 metros acima do nível antigo. Entre as várias revelações estão um rio com 600 metros de largura e semelhante em comprimento ao Tâmisa que desapareceu quando o vale em que se encontrava foi inundado pelo degelo dos imensos glaciares que então se encontravam próximos.

Trata-se do mais completo projecto de realidade virtual desde "Virtual Stonehenge", realizado em 1996 (infelizmente, já não disponível "online").
Os cientistas basearam a flora antiga gerada em computador a partir de vestígios de pólen e plantas extraídas de prospecções geológicas obtidas no fundo oceânico.

Segundo o Director do Institute of Archaeology and Antiquity da Universidade de Birmingham, com esta reconstituição da paisagem pré-histórica pretende-se disponibilizar aos cientistas um novo olhar e novos ferramentas para o estudo da ocupação humana na região do Mar do Norte.

Notícia da BBC.

Na verdade, os achados pré-históricos nas profundezas do Mar do Norte têm sido registados com alguma regularidade, como por exemplo, estes utensílios ao largo da costa de Inglaterra, pesquisado pela S.A.L.T. (Submerged Archaeological Landscape Team), equipa arqueológica da Universidade de Newcastle upon Tyne que estuda a morfologia costeira antiga do litoral inglês.

Para mais detalhes, veja-se a informação disponibilizada pela Universidade de Birmingham.

Conhecimento do Oceano no Algarve
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Mais perto de nós, no âmbito do projecto "Ciência Viva", decorre desde 10 de Janeiro no "Experimentarium" do Centro Ciência Viva do Algarve (em Faro), uma exposição interactiva sobre investigação e a divulgação do conhecimento do Oceano. Recolher destroços do fundo do oceano através de um braço robótico, satisfazer curiosidades sobre as novas tecnologias subaquáticas e conhecer a biodiversidade dos fundos oceânicos são algumas das possibilidades oferecidas pela exposição "No Profundo Oceano".

A exposição, dedicada às Ciências do Mar, resulta de uma parceria do Centro Ciência Viva com a Ocean Technology Foundation (OTF) da Universidade de Connecticut nos EUA, uma organização sem fins lucrativos que apoia a investigação no domínio das Ciências do Mar e das tecnologias de exploração subaquática.
Outro colaborador da exposição é o Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática (CNANS) que tem desenvolvido estudos arqueológicos no Algarve.

No centro da exposição está a "Ocean Base One", primeiro laboratório subaquático permanente semelhante a uma estação espacial, onde o ser humano pode viver por longos períodos de tempo a uma profundidade de 150 metros. Nesta estrutura fazem-se investigações sobre o controlo ambiental, aquacultura, pescas e as novas tecnologias de exploração subaquática. A exposição informa ainda sobre as áreas costeiras, submersíveis, luz, distorção da voz, pescas, desperdício dos recursos vivos do mar e a sustentabilidade dos ecossistemas marinhos.

Uma pequena visita virtual que se consulta num instante, para quem não puder descer ao Algarve.

quarta-feira, fevereiro 18, 2004

O Navio de Newport: um Mistério Marítimo do Renascimento



A Descoberta
Em Junho Ship%20pic.jpg de 2002, a construção de um novo complexo de Artes e Teatro na margem do rio Usk, na cidade de Newport (País de Gales), pôs a descoberto o casco bem preservado de um navio mercante antigo, posteriormente datado de c. 1465. Arqueólogos, historiadores e a população local rejubilavam ante esta revelação de excepcional importância, tanto para a história local e britânica como para a Arqueologia Náutica.

Porém, cedo se revelou que o Conselho Municipal (Newport City Council), proprietário legal do local onde ocorreu esta admirável descoberta, planeava prosseguir as obras após a conclusão de um breve estudo do navio. Previa-se que, após o levantamento de registos preliminares e recolha de amostras, grande parte do casco fosse destruída logo no final de Agosto de 2002, permitindo a conclusão das obras no prazo previsto.

De imediato, formou-se um amplo movimento cívico para salvar o navio de Newport, adequadamente denominado "Friends of the Newport Ship", defendendo a salvaguarda desta nova peça de património marítimo mediante a sua conservação e estudo pormenorizado. O apoio reunido foi de tal ordem que a Assembleia Nacional Galesa viu-se obrigada a intervir, assegurando o necessário financiamento da remoção e conservação do navio. O custo total, estimado em 3,5 milhões de libras, é suportado não só pelo Conselho Municipal e o Governo Regional (Assembleia Galesa), como também através de contribuições e donativos públicos.

A Importância do Navio de Newport
Trata-se do mais completo casco de um navio do séc. XV descoberto e conservado na Europa. De facto, e apesar das obras terem destruído partes do navio, o casco, construído em carvalho (a quilha em faia), manteve-se na sua quase totalidade, estimando-se o seu comprimento original em 25 metros e 8 metros de largura máxima. Também se registaram indícios claros da existência de um convés e da superestrutura. Calcula-se que deslocasse entre 100 e 200 toneladas, o que o tornava num navio de médio porte, perfeitamente adaptado a navegações atlânticas.

Recorrendo à dendrocronologia, algumas madeiras do casco forneceram uma datação precisa, entre 1465 e 1466, relativamente ao corte das árvores destinadas à sua construção.




Historicamente, o navionship26big.jpeg é um testemunho eloquente das navegações mercantes florescentes no porto de Newport em particular, e da Inglaterra em geral.
Arqueologicamente, o casco descoberto representa uma etapa evolutiva a meio caminho entre embarcações medievais e os grandes navios do Renascimento. No fundo, ainda é um navio construído segundo o saber e técnicas empíricas medievais. Constitui também o único exemplar sobrevivente de navio mercante armado do séc. XV, anterior em várias décadas à construção do famoso «Mary Rose», nau de guerra de Henrique VIII afundada em 1545, cujo casco foi recuperado e se encontra hoje conservado em museu próprio nas docas de Portsmouth.

A descoberta de um navio contemporâneo dos Descobrimentos adquire naturalmente um imenso valor potential no conhecimento técnico e antropológico das práticas marítimas do Renascimento. Um potencial que vai sendo devidamente avaliado à medida que os trabalhos de conservação e análise desvendarem os segredos contidos nestes fascinantes vestígios de uma outra Era, em que se deram os primeiros passos através dos mares no caminho da globalização.

Na mesma década em que morreu o Infante D. Henrique, grande impulsionador das navegações portuguesas, e apenas 20 anos antes da passagem do Cabo das Tormentas (re-baptizado da Boa Esperança) por Bartolomeu Dias e 30 anos antes da chegada de Vasco da Gama à Índia.
De tonelagem semelhante à sua contemporânea caravela «Santa María» que conduziu Colombo na sua primeira grande viagem de descoberta, o navio de Newport apresenta um porte comum (na sua época) de unidades utilizadas no transporte de archeiros galeses durante a Guerra dos Cem Anos. Aliás, terá sido num navio deste tipo que Henrique VII se fez transportar a Gales no decorrer das Guerras das Rosas.

"Save Our Ship": a Luta pela Recuperação
A campanha SOS ("Save Our Ship") logrou obter resultados positivos junto do círculo político regional, mediante o apoio de uma enorme onda de apoio popular, institucional e científica gerada em torno do achado. Com a ajuda do "site", visitas guiadas ao local de escavação, debates públicos, artigos de imprensa, manifestações de rua e recolha de assinaturas foi realmente possível salvar o navio em perigo. A BBC também esteve presente e realizou um documentário que deu a conhecer esta intervenção arqueológica.

Mas nem tudo foi pacífico. A pesada cofragem instalada durante os trabalhos prévios no estaleiro de obras e intervenções anteriores na margem do rio ditaram a destruição quase total da popa e proa do navio. Posteriormente à primeira fase de escavação, o desinteresse por parte do empreiteiro ficou comprovado com a intencional destruição de parte da popa do navio, afundada numa imensa massa de betão, isto apesar de um relatório arqueológico anterior ter prevenido quanto à importância de uma sondagem final nesse local.



Ao lado pode verBow-&-Stern-projections.jpg-se o perímetro da cofragem com as consequentes zonas afectadas (popa e proa) e a área escavada.

A equipa arqueológica inicial, proveniente da Glamorgan Gwent Archaeological Trust, completou o registo, escavação e remoção da secção principal do casco, tendo sido substituída em 2003 por uma equipa mista da Universidade de Oxford e do "Mary Rose Trust", instituições especializadas em arqueologia náutica. As peças, removidas individualmente, foram armazenadas e submersas em grandes tanques de conservação cedidos por uma empresa siderúrgica local.
O relatório arqueológico da equipa da Universidade de Oxford relativo à escavação da proa, está disponível aqui .



Enterrado nas lamas fluviais,  ship3.jpgo navio permaneceu bem conservado em ambos os bordos (embora o de estibordo tenha colapsado).
Sobreviveram assim 63 cavernas que compunham o esqueleto estrutural interno do navio, assim como 32 tábuas de forro no lado de estibordo e outras 16 a bombordo. Várias peças de reforço, como escoas e peças de enchimento mantiveram-se "in situ" unidas às cavernas por cavilhas de madeira, assim como algumas tábuas do forro interior. Também se conservou a carlinga (base) do mastro principal, completa com o poço da bomba (de escoamento da água). O casco "trincado" (em tábuas sobrepostas), característico dos navios medievais exibia uma imensa quantidade de pregadura em ferro .

A boa qualidade de construção é evidente, em particular as grandes escarvas de junção nas grandes peças de madeira, algumas das quais eram compostas por um conjunto de 7 peças, assinalando-se nestas mesmas peças vestígios do trabalho na madeira marcado pelas ferramentas de carpintaria.

Ao longo da escavação, foram sendo encontrados artefactos associados, como vários exemplares de calçado em cabedal, fragmentos têxteis, restos de velas e roupa de lã, cabos e cordame diverso, cerâmica, algumas moedas, projécteis de artilharia em pedra, e instrumentos em madeira relativos à navegação (cadernais), aduelas de barris, além de artefactos pessoais: dois pentes e uma peça de jogo. No final da intervenção, foram também descobertos ossos humanos.




Dada a emergência da intervenção, não foi possível actuar com um plano (e condições) inteiramente _38265024_ship300.jpgpré-definidas. Entre limitações impostas pela segurança no estaleiro de obras e a pressão para concluir no mais breve prazo possível, a equipa deitou mãos à obra, cuidando de nunca pôr em risco a integridade das peças, as quais exigiam um constante humedecimento para evitar a sua destabilização. Após um registo tão completo quanto possível, o navio foi desmontado peça a peça, na ordem inversa pela qual foi construído. O delicado processo de remoção demorou cerca de 13 semanas, sendo necessário serrar cuidadosamente as cavilhas de madeira e desagregar as concreções nos espaços anteriormente ocupados pela pregadura, de modo a separar todas as peças. O peso e dimensão de algumas das peças de madeira retiradas (algumas com 200 e 400 quilos) recorrendo a meios industriais.

A somar a estes condicionamentos, o navio exibia feridas recentes: uma grande quantidade de pilares em betão já tinham sido trespassado o casco em vários locais (visíveis nas fotografias), ainda antes de se declarar o seu achamento. Impunha-se a sua remoção, complicando sobremaneira a estabilidade do casco. Devido a estes estragos, a peça de maior comprimento não tem hoje mais de 6 metros.



Ao lado, uma imagem gerada em computador da zona da proa afectada por um pilar em betão.

As atenções da equipa centram-se neship03fig06.jpg agora noutra descoberta, revelada sob o local do casco, uma estrutura de apoio em madeira que aparentemente mantinha o navio de pé durante o que se julga ter sido uma operação de reparação fracassada, ditando o abandono do navio.

Prevê-se a exposição permanente do navio não muito longe do local onde foi desenterrado, reconstruído tal como foi encontrado, no novo Centro de Artes e Teatro de Newport, cuja inauguração está prevista para meados deste ano.
Os visitantes poderão então admirar e passear sobre uma estrutura em vidro instalada por cima do casco, além de uma galeria inferior, ao nível da estrutura. Um passeio a bordo da História marítima na última morada do navio misterioso.

O Conde "Fazedor de Reis" e os Piratas Medievais Ingleses
Recentemente, as investigações em arquivo produziram provas que apontam para o envolvimento do famigerado Conde de Warwick (1428-1471), primo do rei Ricardo III e figura chave na poítica medival inglesa. Assim, o único navio inglês sobrevivente do séc. XV surviving medieval poderá ter sido propriedade de Richard Neville, cognominado Warwick "the Kingmaker" ("o Fazedor de Reis"), devido ao seu poder, riqueza e influência na Corte inglesa. Mediante manipulações suas Eduardo IV chegou a trono em 1461, e o deposto Henrique VI conseguiu retomá-lo, brevemente, em 1470. A sua fama valeu-lhe ser imortalizado como uma das personagens principais em algumas das peças históricas de William Shakespeare: "Henry VI" (Parte 2) e "Henry VI" (Parte 3), cuja acção decorre no cenário instável e violento das Guerras das Rosas entre as Casas de York (defendida pelo Conde) e Lancaster.

Na realidade, o Conde ganhou notoriedade pela sua participação activa no fomento da pirataria. Apoderou-se de Newport após a morte em combate do seu antecessor, o Conde de Pembroke. No final de 1470, Warwick interveio na defesa de Inglaterra e Gales face a uma tentativa de desembarque liderada pelo deposto Eduardo IV. Contudo, no ano seguinte foi morto na Batalha de Barnet e Eduardo IV reconquistou a Coroa.

Nessa altura, o Conde recorreu aos seus próprios recursos financeiros em apoio da Casa Real, contraindo dívidas pesadas. Para reequilibrar as suas finanças, Warwick permitiu aos seus navios a prática da pirataria, o que resultou na captura de inúmeros navios portugueses, espanhóis e bretões. Calcula-se que a frota privada do Conde de Warwick incluísse navios de grande porte (para a época), de até 350 toneladas. Uma carta de Warwick entretanto revelada dá-nos a conhecer ordens suas para reparações a fazer num navio de alto-bordo justamente em Newport no ano de 1469.

Porém, há nesta história e nos vestígios da carga do navio de Newport um elo português, que levantam novas teorias.

Um Naufrágio Português em Terras de Sua Magestade?
A hipótese atraente de o navio de Newport poder ter sido português, capturado por piratas ingleses e trazido para o País de Gales não está inteiramente posta de parte, mas também carece de provas suficientes.

Entre os 300 artefactos a bordo do navio, encontraram-se abundantes fragmentos de cerâmica portuguesa e 4 moedas de cobre dos reinados de D. Duarte (1433-1438) e D. Afonso V (1438-1481), para além de grandes pedaços de cortiça (não há ainda imagens disponíveis na Internet). Aparentemente, o navio regressara recentemente de Portugal.




Seria interessante poder  P9082940.jpgcomparar técnicas e detalhes de construção com outros destroços de navios tardo-medievais descobertos, por exemplo, em Portugal: dois exemplos recentes "Aveiro F" e "Aveiro G" (não considerando o "Ria de Aveiro A" devido ao seu reduzido porte e dimensões), ambos de casco trincado e datados do séc. XV, embora em mau estado de conservação poderiam sem dúvida base de estudo comparativo. Infelizmente, ainda não há dados disponíveis "online" quanto à informação extraída destes dois naufrágios, descobertos e estudados nos últimos dois anos por equipas do CNANS (Centro Nacional de Arqueologia Náutica e Subaquática).

Mais completa é a informação coligida por Paulo Jorge Rodrigues no seu trabalho arqueológico sobre o denominado navio do Cais do Sodré. Recorde-se que as embarcações conhecidas por "Ria de Aveiro A" e "Cais do Sodré", ambas do século XV, constituem dois dos mais antigos marcos da técnica de construção em "esqueleto primeiro" ("skeleton-first") na Europa atlântica.

De qualquer modo, a intervenção do navio em acções militares é consensual, pois também se encontraram diversas peças utilizadas em capacetes, projécteis de artilharia e pelo menos uma braçadeira de protecção utilizada pelos archeiros da época.
Ao que tudo indica, os trabalhos de reparação do navio, terão sido abandonados na mesma época em que o Conde de Warwick se encontrava em dificuldades, tendo sido abandonado à beira-rio.

No entanto, a história do navio talvez só emergirá após o longo programa de conservação, restauro e investigação em curso, após uma escavação trabalhosa.

História amplamente noticiada, entre outros, no "Telegraph", no "Guardian" e na BBC.
Aprecie-se também neste "site" uma excelente galeria de fotografias realizadas antes da remoção do navio.

O «Matthew» e a "Matthew Society"
Em 1497, o veneziano Giovanni Cabotto (naturalizado John Cabot) partiu de Bristol a bordo do «Matthew», numa viagem exploração que o levou até à Terra Nova.
O «Matthew», navio do séc. XV sobrevive também hoje em dia, mas em réplica, no porto de Bristol para prazer dos muitos turistas que já subiram a bordo e desfrutaram de pequenas excursões marítimas. Uma viagem a não perder, quando de visita a terras de Sua Magestade, evocando outros descobrimentos.

A "Matthew Society", fundada em 1996, organiza encontros abertos a todos os interessados e curiosos dedicados à História náutica e marítima de Setembro a Maio no "Jury's Hotel" em Bristol, mantendo contacto com o público interessado na História e nos navios que a fizeram.

quinta-feira, fevereiro 12, 2004

Algo realmente diferente navega no Mar da Florida

Cubanos em travessia automóvel do Estreito da Florida

São sobejamente  cu-map.gifconhecidas as histórias dramáticas dos "balseros" cubanos que tentaram vezes sem conta atingir os Estados Unidos recorrendo a simples jangadas, botes ou bóias para fugir às duras condições de vida em Cuba.
Mas, há cerca de uma semana as imagens de uma travessia verdadeiramente épica foram transmitidas pelas cadeias de televisão norte-americanas, fomentando admiração pela criatividade e desespero do acto.



Escapar a Fidel: Missão Quase Impossível?
Marciel Basanta López e Luís Grass Rodriguez foram os dois intrépidos navegantes da imagem que arriscaram as vidas, pilotando um "Buick" de 1959 digno de enriquecer o nosso imaginário marítimo. Viajando com um casco adaptado, portas e juntas seladas e movidos pelo motor V-8 de origem do veículo, os dois cubanos tentaram escapar da ilha de Cuba, velejando (para onde mais?) para as costas da Florida. Note-se que a lotação estava esgotada, pois encontravam-se a bordo outros 4 adultos e 5 crianças.

Durante pouco mais de uma semana, o bizarro veículo sulcou as águas do Golfo do México. Naturalmente as autoridades marítimas norte-americanas mandaram "encostar" a viatura e o sonho de evasão acabou, uma vez mais, com o veículo no fundo e o repatriamento dos seus ocupantes.

Persistência Acima de Tudo
Mas esta não é a primeira vez. No ano passado, os mesmos cubanos tentaram realizar o percurso numa antiga carrinha "Chevrolet" de caixa aberta (vulgo "pick-up") reconvertida numa espécie de pontão flutuante recorrendo a barris metálicos vazios e adaptando um veio com hélice. Após intercepção pela Guarda Costeira norte-americana a cerca de 640 quilómetros da Florida, a carrinha flutuante foi afundada para garantir a segurança da navegação na zona.

Mais uma vez, pouca sorte para estes ousados marítimos. As estritas leis de imigração norte-americanas apenas garantem aos cidadãos cubanos que entram ilegalmente nos Estados Unidos a rápida deportação de volta à ilha de onde partiram.

Um episódio inusitado que revela a extensão do desespero movido por um drama real vivido na ilha paradisíaca descoberta para o Ocidente há mais de 500 anos por Cristóvão Colombo.

Notícias da CNN e do "Miami Herald" aqui e aqui, entre outras.

terça-feira, fevereiro 10, 2004

Museu Virtual de Arqueologia Subaquática Inaugurado

O primeiro Museu de Arqueologia Subaquática na Internet (Museum of Underwater Archaeology), baseado em Saint Augustine, na Florida, abriu as suas  Bg4.gifportas virtuais no mês passado com uma pequena exposição.
O objectivo desta interessante iniciativa marítima consiste na divulgação pedagógica da actividade arqueológica subaquática, envolvendo a ilustração de todas as suas fases, desde a prospecção, investigação documental, escavação, registo, até à conservação dos artefactos eventualmente recuperados. A equipa do Museu propõe uma série de exposições sobre a temática dos naufrágios.



Tendo porBetzgun.jpg base prospecções magnéticas efectuadas entre 1995 e 1997 pela empresa Southern Oceans Archaeological Research (SOAR) da zona marítima adjacente a Saint Augustine, foram identificados dois sítios de naufrágio. Estes são o "Steamship Site" e o "Tube Site", ambos incluídos na zona denominada "Industry Site". O "Steamship Site" consiste na maquinaria de propulsão de um navio a vapor do início do séc. XIX e o "Tube Site" resume-se (para já, pois será alvo de uma futura escavação) 8 peças de artilharia, 3 âncoras, barris e várias concreções que revelam a presença de outros artefactos. Em resultado deste rastreio subaquático, interveio o Saint Augustine Lighthouse and Museum, financiando o programa denominado "Lighthouse Archaeological Maritime Program" destinado à prossecução dos trabalhos arqueológicos.



Os Destroços do «Industry»
O resultado do estudo arqueológico do sítio (denominado "site 8SJ3478"), realizado em parceria  img001.gifcom o Conservation Research Laboratory, unidade integrante do Nautical Archaeology Program da Universidade de Texas A&M (resumo do relatório aqui), apontam para um navio de transporte de abastecimentos durante o período colonial. Por seu lado, a investigação em arquivo forneceu pistas para identificação do navio naufragado, que poderá ser a chalupa «Industry», navio particular fretado pela Royal Navy e comandado pelo Capitão Daniel Lawrence que se afundou a 6 de Maio de 1764 na barra de Saint Augustine, quando transportava víveres ao 9.º Regimento de Infantaria Britânico, sob o comando do Major Francis Ogilvie.

Entre os achados contam-se diversas ferramentas (machados, pás e enxadas), pedras de mó, munições e peças de artilharia, o que parece confirmar a identidade do navio. Os canhões, em particular, forneceram uma datação bastante precisa, entre 1750 e 1760. De facto, o «Industry» transportava uma carga de munições e abastecimentos necessários às tropas britânicas que ocupavam a cidade de Saint Augustine.


A informação resultante deste projecto permitiu um novo olhar ao período britânico (1763-1784) em Saint Augustine, tornando-se na primeira escavação arqueológica subaquática na zona marítima daquela que é a mais antiga cidade norte-americana.Entretanto, anunciam-se as próximas exposições virtuais, concretamente Introdução à Arqueologia Subaquática e o navio confederado CSS «Alabama» (sobre o qual já escreveremos brevemente).

domingo, fevereiro 08, 2004

Vestígios da Guerra Submarina de 1914-18 ao Largo da Califórnia

Mergulhos Profundos em Submarino Imperial Alemão da Grande Guerra
A 9 de Julho de 2003, a uma profundidade ainda não especificada, um grupo de pesquisadores norte-americanos descobriu ao largo da California o longamente procurado local de afundamento do único submarino alemão jazendo em águas da costa Oeste do Estados Unidos. Trata-se do "UnterseeBoot" UB-88, relíquia da I Guerra Mundial, cuja torre de comando , assim como o casco, já deteriorado e coberto de organismos marinhos ainda é visível, como se observa neste mosaico fotográfico.


Segundo notícia divulgada pelos próprios achadores, em Agosto do ano passado, uma equipa de mergulhadores profissionais efectuaram mergulhos a uma profundidade abaixo dos 40 metros, trazendo consigo várias fotografias que ajudaram a confirmar a identidade do submarino. Veteranos do mergulho técnico em locais de naufrágio famosos, como o USS «Monitor» e o SS «Andrea Doria» (ambos na Costa Leste norte-americana), Kendall e John Walker exploraram os destroços do submarino. Estas provas fotográficas vieram juntar-se aos resultados obtidos com o Sonar multi-feixes e câmaras de vídeo subaquáticas do U.S. Geological Survey (USGS, organismo responsável pela prospecção e gestão do ambiente e recursos geológicos).

A posição do UB-88 permaneceu desconhecida durante mais de 80 anos, algures nos fundos marinhos ao largo da Baía de San Pedro, a Sudeste do Porto de Los Angeles (California). O seu posicionamento só foi possível graças à informação proveniente de um banco de dados geográficos contendo imagens em 3D de alta resolução do fundo do mar, providenciada pelo U.S. Geological Survey. O inovador programa de cartografia submarina do USGS, conhecido por "Pacific Seafloor Mapping Project", que cobre a área adjacente ao estado californiano denominada "Los Angeles Margin" revelou unionlocks.jpgimagens do fundo marinho com alto grau de precisão, permitindo uma localização visual mais apurada das "anomalias" geo-magnéticas. Cruzando estes dados cartográficos com um programa utilizando Sistema de Informação Geográfica (SIG, tradução de GIS, "Geographic Information System"), os resultados foram cuidadosamente analisados, comparados e forneceram uma lista de alvos prováveis.



Carreira Subaquática de um Lobo do Mar
A curta história do UB-88 começa verdadeiramente na mesa de projectos da Marinha Imperial alemã. Em resultado do "Projecto 44", novo plano aprovado em 1916, foi iniciada a construção de uma nova classe de submarinos, denominada Tipo UB III. Mais longo e largo e melhor armado, os novos submarinos transportavam 10 torpedos, um canhão de 88 mm e tripulação de 34 elementos.

A Alemanha necessitava deste meio de ataque furtivo, os "Unterseeboots" ("U-Boots", ou submarinos) de modo a quebrar o bloqueio marítimo e a superioridade da Marinha de Guerra de superfície aliada. Mas a excessiva despesa financeira exigida pela máquina militar ditou medidas desesperadas para desgastar o adversário. Assim, também se contava com a eficácia dos "U-Boots" na intercepção das logística naval, afundando os comboios de navios mercantes aliados carregados de armas e combustível para as frentes de guerra. Como tal, a Marinha Imperial alemã instruiu a sua arma de submarinos para recorrer ao ataque sem aviso prévio de qualquer navio mercante que navegasse de e para países aliados. A guerra submarina não deveria conhecer restrições.

Foi assim que surgiu o "Projecto 44", dotando os novos submarinos com autonomia e poder ofensivo acrescidos que permitissem ataques a grande distância das bases navais alemãs, em alto-mar, confrontando navios de maior porte (e melhor escoltados).

Neste contexto, o UB-88, de 510 toneladas e 55 metros de comprimento é lançado à água nos estaleiros Vulcan em Hamburgo no ano de 1917, entrando ao serviço em Janeiro de 1918 sob o comando do "Oberleutnant zur See" Johannes Ries. Durante os 10 meses seguintes, o submarino assinou um impressionante registo de 13 navios aliados afundados no decorrer de apenas cinco missões, somando um total de 32.333 toneladas.

Pouco após o Armistício, a tripulação do UB-88 rendeu-se juntamente com muitos outros navios da Frota de Alto Mar da "Kriegsmarine". O UB-88 foi um dos seis submarinos entregues aos Estados Unidos pela Grã-Bretanha. Acolhido e reparadoaboutub88.jpg o submarino no porto de Harwich, em Inglaterra, partiu acompanhado do navio de apoio «Bushnell» e três outros submarinos alemães reconvertidos (U-117, UC-97 e UB-148). Esta pequena esquadra improvisada recebeu o nome de "Ex-German Submarine Expeditionary Force" e atravessou o Atlântico escalando em Ponta Delgada (ilha de São Miguel), nos Açores, e as Bermudas até atingir o seu destino, Nova Iorque, onde chegou a 27 de Abril.



Mergulho Final
A presença dos antigos USS «Wickes» em Janeiro de 1921 num exercício naval com fogo real.

Pouco paperweight.jpgtempo antes, durante os trabalhos de desmantelamento do interior do submarino, as hélices foram removidas e fundidas em pesa-papeis com a forma do UB-88 e o seu número gravado em ambos os lados da proa. Cada um dos pequenos pesa-papeis pesa cerca de 282 gramas, medindo pouco mais de 13 centimetros. Estas relíquias do submarino alemão surgem ocasionalmente em leilões na região de Los Angeles e na Net, nas vendas do "E-bay". Um exemplar encontra-se em exibição no Los Angeles Maritime Museum.



Leia-se aqui uma notícia contemporânea do afundamento e outra, recente, do "Los Angeles Times" sobre os mergulhadores que identificaram o U-88, disponível aqui.
Neste interessante "site" dedicado ao UB-88 registam-se a história ilustrada do período de serviço do submarino, o seu afundamento e a sua redescoberta.

quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Petróleo, Gás e... Naufrágios

Sempre mais fundo, a procura de novas jazidas de petróleo e gás impelem as grandes empresas a novos feitos tecnológicos. No Golfo do Texas, a Union Oil Company realizou uma intervenção record em Maio de 2001, com uma perfuração subaquática a 2.952 metros de profundidade nas profundezas abissais de Alaminos Canyon. Mas outros achados a grande profundidade têm suscitado a intervenção de arqueólogos e historiadores, no estudo da História marítima norte-americana.


A 807 metros, uma prospecção submarina da Exxon-Mobil Development Company revelou o casco incendiado de um pequeno navio em madeira com forro de cobre, datável da segunda metade do séc. XVIII ou primeira metade do séc. XIX. A companhia petrolífera prontificou-se a patrocinar o estudo arqueológico deste naufrágio em parceria com a reputada Universidade do Texas A&M.

Na verdade, os sítios arqueológicos subaquáticos constituem um dos "recursos" da Plataforma Continental Exterior (zona adjacente a um continente ou a uma ilha, compreendendo os fundos oceânicos desde a linha de costa até à profundidade de 200 metros) geridos pelo MMS (Minerals Management Service), organismo responsável pela gestão dos recursos minerais submersos. Os achados no leito submarino são frequentemente comunicados à MMS como sítios potenciais de exploração pela indústria de extracção de gás e petróleo após prospecções aturadas das camadas geologicas que reunam melhores condições dentro do limite das respectivas concessões.
De igual modo, a inspecção dos fundos marinhos para colocação de oleodutos ("pipelines") levou à descoberta de alguns navios afundados.

Estes sítios de extracção potencial incluem de facto, em muitos casos, navios naufragados ou mesmo locais de acampamento pré-históricos anteriores à última grande Glaciação (há cerca de 18.000 anos), durante a qual o nível do mar era inferior ao actual. Estas "anomalias" de grandes dimensões registadas quando da prospecção magnética são, por isso, delimitadas como zonas de protecção a evitar durante as operações de perfuração e montagem de estruturas pelas empresas extractivas. Numa fase posterior, cabe ao MMS a avaliação histórica e arqueológica destas vestígios para eventual classificação federal.

Resultados Arqueológicos
Actualmente, contam-se já vários casos em que foi possível identificar e documentar vários naufrágios de interesse na área da Plataforma Continental Exterior do Golfo do México, mediante um trabalho de conjunto envolvendo empresas de extracção, o MMS e investigadores.



Um destes stern2.jpgnaufrágios é o navio a vapor «New York» lançado em 1837 e afundado por um furacão em 1846), o USS «Hatteras», navio a vapor da Guerra Civil norte-americana afundado em combate em 1863 (contra o CSS «Alabama», o mais famoso e bem-sucedido dos «blockade-runners», unidades concebidas para romper o bloqueio naval imposto pela União nos portos do Sul dos Estados Unidos; depois de um longo itinerário de 2 anos através do Índico e Atlântico que o levou a passar pelos Açores, foi afundado por sua vez ao largo da costa francesa de Cherbourg em 1864, o «Alabama» foi alvo de uma intervenção arqueológica subaquática nas décadas de 1980 e 1990), além de pelo menos 13 navios mercantes do séc. XX vítimas dos ataques de submarinos alemães durante a II Guerra Mundial (entre 1942 e 1943, mais de 20 submarinos estiveram activos sob as águas do Golfo do Texas, afundando 56 navios numa tentativa de impedir o importante tráfego Aliado de combustível a partir dos portos da Louisiana e do Texas às linhas da frente na Europa).
As profundidades a que repousam variam muito, desde os 11 até aos 1.200 metros.


Todos estes sítios são, segundo a definição das leis federais dos Estados Unidos, considerados "naufrágios históricos", pois têm pelo menos 50 anos.
Até à data, as investigações documentais revelaram a existência de mais de 400 navios naufragados em pouco mais de 3 séculos, entre os anos de 1625 e 1951. Também se sabe que no mesmo período muitas centenas mais ocorreram em zonas mais próximas da orla costeira.

Foi justamente o requerimento do Governo Federal  u166_menu.gif norte-americano que obriga as companhias petrolíferas a efectuar prospecções exaustivas dos fundos oceânicos previamente à instalação de oleodutos que resultou em 2001 na descoberta de um submarino alemão da II Guerra Mundial, o U-166 (veja-se uma galeria de imagens sobre a história do submarino), afundado por uma carga de profundidade em 1942 a cerca de 1.500 metros de profundidade ao largo da foz do Rio Mississippi e aoutros 1.500 metros de distância dos destroços submersos da sua última vítima, o navio de transporte SS «Robert E. Lee». Utilizando um AUV (Autonomous Underwater Vehicule), os responsáveis técnicos da companhia puderam obter imagens em tempo real de ambos os navios.




O "Minerals Management Service" possui no seu vasto pessoal uma equipa de arqueólogos que se ocupam na análise relatórios geofísicos apresentados pelas empresas de extracção de petróleo e gás. Devido a esta organização, quando companhias como a BP e a "Shell" se depararam com achados subaquáticos durante as suas prospecções, foi possível a pronta e eficaz intervenção no terreno (subaquático).

domingo, fevereiro 01, 2004

A Odisseia do Cruzador «Graf Spee»

Cavaleiro dos Mares



 
Séculos de conflitos no Mar deram-nos a conhecer inúmeros protagonistas de grandes batalhas navais, mas poucos ocupam lugares de honra na História naval. Basta lembrar um dos episódios navais épicos da II Guerra Mundial: o cruzador ligeiro «Admiral Graf Spee», primeiro navio de guerra alemão a entrar no activo durante o grande conflito mundial e primeira perda da Kriegsmarine (Marinha de Guerra alemã) após uma única vitória sobre navios de guerra inimigos.

O episódio, que ficou conhecido como a Batalha do Rio da Prata, terminou tragicamente ao largo do porto de Montevideo (Uruguai) em 14 de Dezembro de 1939, com o afundamento deliberado (fotos aqui) do cruzador e o suicídio do Capitão Langsdorff, perante o cerco de grandes unidades da Royal Navy.
 
 
O novo "panzerschiff" (cruzador) da Marinha de Guerra alemã foi baptizado com o nome do Vice-Almirante Maximilian Graf von Spee, Comandante da Esquadra de Cruzadores Imperial do Sudeste Asiático, morto em combate naval nas Ilhas Falklands (Malvinas) em 1914. Uma dupla ironia, tendo em conta que o «Graf Spee» foi igualmente afundado no início de um conflito mundial e em mares não muito distantes do local da morte do seu padrinho.

Dispondo de uma notável velocidade (máxima de 28,5 nós) capacidade de fogo, tendo em conta a sua dimensão, que o tornavam num navio ágil e poderoso. Deslocando 16.200 toneladas, com 186 metros de comprimento, armava como armamento principal duas torres triplas equipadas com canhões modernos de 280 mm, uma novidade de peso capaz de impôr respeito aos mais velhos grandes cruzadores ingleses.


 
Lançado em Junho de 1934, o navio desempenhou missões de treino no Atlântico e serviu em patrulhamento no decorrer da Guerra Civil espanhola, fazendo escala nas Canárias, Tânger, Vigo e Bilbao entre 1936 e 1939.
Entre 18 Abril e 16 Maio de 1939, escalou os portos neutrais de Ceuta e Lisboa, enquanto servia em manobras no Atlântico com os cruzadores «Deutschland», «Admiral Scheer», «Leipzig» e «Koln» e uma esquadra de submarinos. No seu regresso de Espanha, escoltou a famosa Legião "Condor", unidade alemã que participou na Guerra Civil.

Em Agosto de 1939, semanas antes do início da II Guerra Mundial, o «Graf Spee» partiu do porto de Willemshaven numa missão de intercepção da navegação aliada, atravessou o Atlântico de Norte a Sul cruzando até aos mares do Índico, afundando 9 navios mercantes com um total de 50.000 toneladas, mas sem qualquer perda de vida. O Capitão Hans Langsdorff seguiu à risca a Convenção de Haia que exigia a retirada das tripulações antes do afundamento.

Foi no regresso desta missão bem sucedida que as atenções do mundo se centraram na perseguição do navio de guerra alemão algures no Atlântico Sul. À sua espera estava a Force G, nome de código da esquadra de perseguição composta pelos cruzadores ingleses HMS «Ajax», HMS «Cumberland» e HMS «Exeter» e pelo neo-zelandês HMNZS «Achilles» além de vários navios de apoio, liderados pelo Comodoro Harwood, enviada para o deter. No breve combate que se seguiu, o «Exeter» foi posto fora de acção e o «Ajax» recebeu danos sérios, mas o «Graf Spee» perdeu 36 homens e sofreu avarias graves que o levaram a refugiar-se no porto neutral de Montevideo (Uruguai).
  

72 horas para o Fim

O Graff Spee ancorado em Montevideo.
United States Naval History and Heritage Command (World War II database)
De início, foi concedido um prazo de 24 horas no porto urugaio, tal como era contemplado pela lei internacional. Porém, a emissão de um mandato presidencial permitiu que o prazo se estendesse até às 72 horas, findo o qual o navio teria que se retirar. O Capitão Langsdorff ainda tentou preparar-se para o combate invetivável que se avizinhava, contra forças bem superiores.
 
Entretanto, após reabastecimento no Rio de Janeiro, uma outra esquadra britânica de 5 navios incluindo o porta-aviões «Ark Royal» recebeu ordens para se reunir aos 3 cruzadores que aguardavam ao largo do Rio da Prata pela saída do inimigo.

Durante a sua curta estadia naquela que seria a última escala, o «Graf Spee» torna-se motivo de fascínio por entre a população local e rapidamente se juntam multidões no porto de Montevideo para admirar a moderna máquina de guerra. Curiosamente, no meio da multidão, encontrava-se Mike Fowler, um jornalista norte-americano que se encarregou de cobrir a história para um jornal dos Estados Unidos. À medida que o tempo se esgotava, os serviços noticiosos da rádio e imprensa deram a impressão, errada, de que a segunda esquadra já se encontrava próxima do porto.

Finalmente, no dia 17 de Dezembro de 1939, o Capitão Langsdorff embarcou com uma tripulação reduzida ao mínimo e o «Graf Spee» levantou âncora às 17:30 envergando bandeiras de combate em ambos os mastros. O cruzador possuía ainda munições suficientes e canhões em bom estado para ripostar. Acreditando que a força naval britânica era agira muito maior, Langsdorff decide evitar uma batalha sem sentido e um banho de sangue previsível por entre a sua tripulação, armadilhando o seu próprio navio a 4 milhas de Montevideo de modo a impedir a sua captura pela armada inimiga. O Capitão e os seus homens retiram-se da derradeira viagem do «Graf Spee» e, frente a Punta Yegua, duas fortes explosões partem o casco em dois, encalhando-o no lamacento fundo do estuário do Plata, que separa o Uruguai da Argentina. Em terra, milhares de espectadores ávidos testemunham os momentos finais do navio.


 
Logo após o afundamento do cruzador alemão, o Capitão Langsdorff libertou todos os prisioneiros dos navios afundados afundados durante a sua missão transoceânica. Entre eles, o Capitão Dove, do navio mercante «Africa Shell» recebeu de Langsdorff 2 insígnias dos bonés de marinheiro do «Graf Spee» como recordação. A bordo do navio de apoio, Dove e Langsdorff cumprimentaram-se uma última vez, desejando-se mutuamente boa sorte para os tempos vindouros.
 
Com autorização das autoridades urugaias, a tripulação do «Graf Spee» foi transportada para a Argentina, onde permaneceram em regime de internamento até ao final da guerra. Muitos destes alemães decidiram então ficar no país após o encerramento do conflito.

Mas restava ainda um último golpe de teatro. Três dias após o afundamento do «Graf Spee», o Capitão Langsdorff, refugiado na Argentina, suicidou-se com um tiro na cabeça no quarto que ocupava no Arsenal Naval de Buenos Aires. Foi encontrado vestido com uniforme de gala e enrolado com a kaiserlichen Reichskriegsflagge (bandeira Imperial de Guerra alemã). O seu funeral foi presenciado por uma multidão e o seu túmulo é cuidado ainda hoje. Muitos consideram-no um dos últimos exemplos de rectidão e cavalheirismo no respeito pelas regras de guerra.


A história audaciosa e trágica foi cuidadosamente re-encenada no filme inglês originalmente intitulado The Battle Of The River Plate (1956), mas que adoptou no ano seguinte o título de "Pursuit of the Graf Spee" na distribuição norte-americana. No filme, foi utilizado o cruzador pesado USS «Salem» como «Graf Spee», além de outros 3 cruzadores ingleses.

O «Graf Spee» encontra-se hoje em dia a uma profundidade de 7 a 8,5 metros, num local de acesso ao mergulho particularmente perigoso, devido às inúmeras redes de pesca que se prenderam ao casco, à visibilidade quase nula e fortes correntes que rodeiam os destroços.
 
 

65 anos depois: a recuperação arqueológica

Nesta última semana de Janeiro de 2004, decorrem já o início dos trabalhos de uma equipa de peritos uruguaios, argentinos e alemães para recuperar o «Graf Spee».

A ambiciosa ideia consiste em retirar do fundo do rio o navio inteiro, que está a oito metros de profundidade, partido em duas partes. Segundo o director da operação, o uruguaio Héctor Bado (mergulhador profissional responsável pela localização de inúmeros naufrágios no seu país), a recuperação completa poderá levar entre três a quatro anos.

Este é o último navio de guerra alemão passível de ser resgatado. A intenção é retirá-lo integralmente e restaurá-lo para permanecer exposto em Montevideo.

Alfredo Etchegaray, proprietário dos direitos sobre o navio afundado afirmou que o cineasta americano James Cameron, realizador de Titanic, poderia ir à capital uruguaia para filmar a operação. O empreendimento é privado, mas conta com apoio do governo do Uruguai, que já declarou o projecto como de "interesse turístico". Várias grandes empresas de nacionalidade argentina, brasileira, alemã e holandesa asseguram o financiamento do colossal empreendimento, cujo custo exacto só sera desvendado publicamente no decorrer deste mês de Fevereiro.

A primeira peça a ser removida será o telémetro (equipamento óptico que servia de mira para avaliação das distâncias de disparo), que mede 10,50 metros de comprimento, 6 de altura e pesa 27 toneladas. Na operação trabalharão lado a lado o arqueólogo argentino Atilio Nasti e o controverso Mensun Bound, arqueólogo subaquático que alegadamente representa a Universidade inglesa de Oxford.

No entanto, existe um problema de peso. Estima-se que no interior do casco se encontram depositadas entre 6 a 8 mil toneladas de lodo. Se o «Graf Spee» fosse extraído tal qual se encontra, não suportaria todo este peso. Sabe-se também que o casco se encontra em bom estado e que é possível assegurar a sua remoção. Acresce ainda a delicada tarefa de neutralização dos explosivos que ainda se encontram armazenados na proa do navio, as quais não explodiram no dia do seu afundamento.

Tendo em conta a necessidade de aliviar o casco desta carga, a previsão mais optimista dos especialistas, a operação de remoção integral durará entre três a quatro anos. Quanto ao restauro, o processo será certamente mais demorado, pois a enorme estrutura metálica necessitará, consoante o seu estado de degradação, de continuadas aplicações de tratamentos químicos afim de estabilizá-la. Neste ponto, algumas empresas alemãs que interviram na construção do cruzador disponibilizaram a sua colaboração.

Um grupo de mergulhadores ingleses e uruguaios já havia retirado em 1997 um canhão de 150 mm e algumas peças menores, numa missão filmada para o Discovery Channel. O canhão restaurado encontra-se em exposição no Museu Naval uruguaio.

 

Notícias do The Guardian aqui e aqui, do Clarín online (argentino) e El Pais Digital (uruguaio).
 
 

A Memória Sobrevivente

O afundamento do «Graf Spee» nunca conheceu informações precisas na Alemanha durante a II Guerra Mundial. O nome e a reputação do Capitão Langsdorff depressa foram varridos da memória pelo Chanceler do governo alemão, Adolf Hitler, o qual nunca concordou com a decisão tomada pelo Capitão, tendo mesmo emitido ordem para o «Graf Spee» enfrentar em combate a esquadra britânica.
 
Quando a II Guerra Mundial terminou, 6 anos após a Batalha do Rio da Prata, Sir Eugene Millington-Drake, o agente diplomático britânico presente em Montevideo na altura dos acontecimentos reuniu uma compilação exaustiva de documentos sobre o sucedido. Publicada originalmente em 1964 com o título The drama of the «Graf Spee» and the Battle of the River Plate, apresenta documentação proveniente de altos oficiais de ambos os lados que tomaram parte no episódio. Mas ainda havia mais informação por divulgar, na posse de alguns veteranos de guerra.

Nas décadas de 1960 e 1970, antigos oficiais alemães e ingleses reuniram-se em Londres e na cidade portuária de Laboe (Alemanha). Em 1979, um grupo de veteranos ingleses visitou a Argentina na qualidade de convidados de veteranos alemães residentes nesse país. Os antigos inimigos trocaram histórias num espírito de reconciliação.
 
Ainda hoje, tanto na Alemanha como na Argentina, os tripulantes veteranos do «Graf Spee» convocam reuniões anuais em memória do Capitão Langsdorff, uma lealdade que por vezes é criticada por alguns sectores da sociedade.

Quanto aos ingleses, celebram igualmente a histórica batalha, particularmente os veteranos do HMS «Ajax». Simbolicamente, uma vila do Estado do Ontario, no Canadá, foi distinguida com o nome de Ajax em memória do navio-almirante da esquadra de cruzadores britânicos. Muitas das suas ruas ostentam nomes a vários membros da tripulação do cruzador. Em 1999, uma proposta para incluir o nome de Hans Langsdorff a uma das ruas canadianas foi aprovada por unanimidade pelos veteranos ingleses.
 
 

Update

 
 

Em Fevereiro de 2006, a águia ornamental de 2 metros originalmente ostentada na popa do «Graf  Spee» foi retirada dos destroços do navio. 


 
 
Por seu lado, o telémetro de artilharia - peça de 27 toneladas - recuperado em 2004 já ocupou o seu lugar de monumento público. Juntou-se, assim, a outra relíquia do navio, a âncora recuperada em 1972.



Entretanto, um decreto presidencial decretou o cancelamento de todas as intervenções subaquáticas em águas uruguaias em 2009.