segunda-feira, fevereiro 16, 2009

A "Vinda dos Ingleses" a Portugal em 1589

Parte I - D. António Prior do Crato, os "piratas hereges" e o trono de Portugal


Baixo-relevo tumular da família Hales, c. 1596, na Catedral de Canterbury (Kent, Inglaterra), representando a morte no mar de Sir James Hales, tesoureiro da armada de Sir Francis Drake a Portugal em 1589. Trata-se do único monumento iconográfico contemporâneo da expedição identificado pelo autor.


A 18 de Abril de 1589, dez meses após a derrota da “Invencível Armada” que pretendera invadir Inglaterra, o célebre corsário e almirante inglês Sir Francis Drake partiu do porto de Plymouth rumo à Península Ibérica. O galeão a bordo do qual seguia denominava-se apropriadamente Revenge. Conjuntamente chefiada por Sir Francis Drake e Sir John Norris, oficial veterano da Guerra dos Países Baixos (indigitados, respectivamente, comandante da armada e do exército), esta foi uma das maiores expedições navais do século XVI.

A bordo da armada seguia a pequena corte portuguesa no exílio desde 1581: D. António, Prior do Crato, pretendente ao trono português, o seu filho D. Manuel de Portugal e mais de 70 partidários portugueses, juntamente com um contingente anglo-holandês de 12.400 soldados. A Inglaterra passava à ofensiva pelo domínio do Atlântico.



 D. António, efémero rei de Portugal, ou "pobre rei" nas palavras dos seus aliados ingleses, liderou a resistência portuguesa contra Filipe II e a Monarquia Hispânica. Exilado após a invasão espanhola de 1580, conseguiu regressar a Portugal em 1589, de onde partiu novamente derrotado. A sua pretensão à coroa portuguesa baseava-se no pressuposto da sucessão electiva e não hereditária. Para tal, promoveu uma intensa edição de panfletos em várias línguas publicitando os seus argumentos contra Filipe II. O segundo retrato é o único genuíno, realizado em vida de D. António pelo holandês Jodocus Hondius, que realizou igualmente um retrato gravado de Sir Francis Drake (José Teixeira, Genealogia Regum Portugalliae, 1592; original na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro)

D. António, filho ilegítimo do infante D. Luís (filho do rei D. Manuel), gozara de um reinado efémero: aclamado pelo povo e principais cidades do reino nas vésperas da invasão espanhola em Junho de 1580, o Prior do Crato resistira com o apoio do povo e do baixo clero, mas acabara derrotado dois meses depois na batalha de Alcântara. Não obstante a fácil conquista de Portugal, D. António manteve-se como uma das maiores preocupações do monarca espanhol.

Tencionava repetir-se o êxito dos ataques-surpresa executados com mestria por Drake a Cádiz e Sagres (1587), mas em maior escala e com o objectivo prioritário de destruir as unidades sobreviventes da “Invencível Armada” que haviam regressado ao norte de Espanha. Cedo se estabeleceram dois novos objectivos: repôr D. António no trono português - abrindo uma nova frente contra Espanha - e interceptar a “Frota da Prata” espanhola ao largo dos Açores, interrompendo o fluxo vital de metais preciosos para Espanha e assegurando uma base naval estratégica.


Sir Francis Drake, o mais famoso corsário e almirante da Rainha Isabel I de Inglaterra. O fracasso da expedição a Portugal de 1589 evitou um golpe decisivo no poder naval espanhol e valeu-lhe o afastamento da Corte inglesa por 6 anos. Autor anónimo, pós-1580 (National Portrait Gallery, Londres) 

Dada a penúria das finanças isabelinas, tal como nas expedições anteriores de Drake, investidores privados proporcionaram o grosso da armada, constituída por navios de transporte armados. O investimento seria amortizado pela captura da frota das Índias e o livre acesso aos portos em Portugal.


Assalto à Coruña: primeiras dificuldades

Ventos contrários e problemas logísticos atrasaram a armada em seis semanas, criando despesas extraordinárias. Após a partida, a 28 de Abril, desertaram ainda 25 navios holandeses levando a bordo 2.000 homens. Alcançada a Coruña em 4 de Maio, as forças inglesas alcançam o primeiro objectivo da expedição, com o ataque a dois galeões regressados da fatídica "Invencível" Armada no ano anterior, que se encontravam em reparações: eram eles o São João, navio-almirante da esquadra da Coroa de Portugal e o São Bernardo, integrante da mesma. Enquanto a tripulação do primeiro incendiou o próprio navio para evitar que caísse em mãos inimigas, o segundo escapou, não sem antes os ingleses terem capturado a artilharia que se encontrava desembarcada.



Os desembarques ingleses, temidos pelas populações peninsulares, caracterizavam-se pelos roubos e violência contra civis mas também contra alvos religiosos, saqueando e destruindo edifícios religiosos.
Este também foi o caso na expedição de 1589.

Após um desembarque bem sucedido, mas em clara desobediência às ordens da Rainha, os ingleses apenas conseguem tomar a cidade baixa, onde se instalam D. António e o seu filho com as tropas de Isabel I. O alarme soou por toda a Galiza. Na vizinha cidade de Santiago de Compostela, o Arcebispo apelou à defesa da catedral para que o "Santo corpo do Apóstolo (...) não seja profanado por estes bárbaors hereges". A disciplina das tropas inglesas, maioritariamente recrutas inexperientes, provou ser tarefa difícil, sobretudo após a descoberta das adegas locais. Surgiram também os primeiros focos de epidemia provocando muitas mortes por entre os invasores.
Finalmente, depois de confrontados com uma forte resistência popular e desprovidos de equipamentos de cerco, os ingleses reembarcaram no dia 7 de Maio, deixando a cidade baixa saqueada e em chamas. O aviso do desembarque na Coruña tinha sido recebido em Lisboa a tempo de se reforçarem as defesas da capital portuguesa. Era chegado o momento da costa portuguesa se confrontar com o mais famoso corsário da sua época trazendo nos seus navios o rei exilado D. António acompanhado dos "piratas hereges".


Itinerário da expedição inglesa liderada por Sir Francis Drake e Sir John Norris em apoio de D. António
para reconquistar o trono de Portugal em 1589.

Desembarque em Peniche: o regresso de D. António a Portugal

Pelas 10 horas da manhã de sexta-feira 26 de Maio de 1589, a vila de Peniche foi surpreendida por uma esquadra de 155 navios manobrando ao largo. Perto das 16:00 horas as tropas inglesas iniciam o desembarque de um contingente de 6.500 homens no areal de Nossa Senhora da Consolação, a Sul da península. O jovem conde de Essex arriscou afogar-se para ser o primeiro a tocar em terra.

A defesa da praia revelou-se difícil para a reduzida guarnição espanhola, pois era demasiado ampla e a própria localização desabrigada da forte ondulação e do vento Norte não haviam determinado a sua vigilância. O desembarque inglês prosseguiu durante o final do dia até que na mesma noite sob uma lua quase cheia, Essex e o General Norris entraram na vila abandonada pelos militares espanhóis, que recuaram para novas posições defensivas aguardando reforços.


Fortaleza de Peniche , um dos raros edifícios actualmente existentes que testemunhou o desembarque inglês com D. António. (fotografia datada do segundo quartel do século XX. Arquivo Histórico Militar, Lisboa)




Em Peniche, o alcaide da fortaleza e muitos habitantes fugiram em pânico mal souberam da presença de Drake. Mas, à vista de D. António que desembarcara com uma cruz levantada e uma "insígnia" da Virgem Maria, o capitão entregou a fortaleza apesar desta se encontrar bem provida de artilharia e munições. O pretendente ao trono não perdeu tempo e distribuíu uma carta-manifesto na qual convocou o povo a recebê-lo enquanto libertador, assim como às tropas inglesas e à armada que o apoiavam. Nos dias seguintes, D. António e o seu filho distribuiram aos portugueses armas e munições capturadas na esperança de os acompanharem até à rendição de Lisboa.

Quanto aos reforços locais convocados pelas autoridades espanholas em Óbidos, Torres Vedras e Alcobaça, não passavam de "gente rústica, e fraca", que debandou "já sem armas e ânimo". No dia 27 de Maio, as forças inglesas dividiram-se: o General Norris iniciou a marcha até Lisboa e Drake partiu pouco depois com a armada rumo a Cascais. Ambas as forças deveriam reunir-se para o assalto conjunto à capital portuguesa.
(NOTA: textos e imagens deste "post" e dos seguintes dedicados à expedição inglesa de 1589 adaptados do meu livro Campanhas do Prior do Crato, 1580-1589: Entre Reis e Corsários pelo Trono de Portugal publicado em 2005 pela Editora Tribuna da História, e já divulgado em "post" anterior)

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