quinta-feira, outubro 30, 2003

Os Escritores e o Mar (II)

Piratas, Veleiros e Submarinos: a Imaginação e o Mar

Para além da sublime recriação de Herman Melville, outros seres fantásticos surgiram igualmente das profundezas dos mares, embora não necessariamente orgânicos.

O «Nautilus», o mais célebre submarino de todos os tempos, surgiu no séc. XIX no famoso romance Vinte Mil Léguas Submarinas , imaginado pelo francês Jules Verne (1828-1905) e publicado originalmente em dois volumes, entre 1869 e 1870.

A história centra-se nas aventuras vividas pelo capitão Nemo e a tripulação do submarino. Numa época imaginária, chegam notícias de uma sucessão de naufrágios misteriosos, particularmente de navios de Guerra. Os relatos dos sobreviventes fazem referência a grandes baleias. É enviado um navio de caça à baleia para pôr fim à ameaçadora presença, apenas para descobrir que, afinal, o monstro era de metal e tripulado por humanos. Construído com a forma de um peixe e equipado com um enorme esporão para afundar outros navios, o submarino era visto como um grande cetáceo, até ao dia em que o «Nautilus» recolheu os sobreviventes de um dos navios atacados. O mistério estava desvendado.

Mas estes acontecimentos têm um fundo de ingenuidade e utopia carregados de boa vontade: o capitão Nemo odiava a Guerra, por isso, dedicou-se a afundar os navios de guerra com os quais se cruzasse. Sob as suas ordens, a embarcação era uma arma destinada à vingança de Nemo contra aqueles que mataram sua família e contra os comerciantes de armas. Não foi por acaso que o primeiro submarino nuclear do mundo, (lançado em 1954 pela Marinha de Guerra norte-americana) recebeu o mesmo nome de baptismo. Curiosamente, se tivesse realmente existido, a rota imaginada do mítico submarino teria passado por duas vezes ao largo da costa portuguesa.

Um dos grandes nomes da literatura maritima, Júlio Verne foi também um dos pioneiros da onda de ficção científica. Foi nas bibliotecas de Paris que passou dias a fio entretido a reunir elementos sobre Engenharia, Geologia e Astronomia que lhe permitiram criar ambientes verosímeis em narrativas fantásticas como "Cinco Semanas em Balão" (1863), "Viagem ao Centro da Terra" (1864) e "Da Terra à Lua" (1866), numa série justamente intitulada "Voyages Extraordinaires". Estas aventuras científicas verdadeiramente inovadoras deram lugar a inúmeras adaptações cinematográficas.

Fruto da infância passada em contacto com marinheiros e navios que chegavam ao porto de Nantes, o escritor também velejou pelo Atlântico, desfrutando a sua diversão nautica nos veleiros (três) que possuíu. Mais tarde, com mais de 60 anos e longe das lides do mar, concebia novas histórias que enfeitiçavam o imaginário colectivo num gabinete com a forma da cabine do seu último iate, o «Saint Michel III».
O submarino «Nautilus», do capitão Nemo, foi apenas um dos 259 nomes de embarcações que surgiram nos 63 romances de Verne - quatro em cada cinco livros de sua autoria têm um episódio marítimo.

O Pirata Improvável

Sulcando os mares imaginários do final do séc. XVII, encontramos o «Arabella», ilustre navio protagonista das histórias do capitão Blood, médico inglês tornado pirata das Caraíbas, saído da pena de Rafael Sabatini. Mais conhecido que o texto dos seus romances marítimos são sem dúvida as imagens do "clássico" filme de piratas protagonizado por Errol Flynn (ele próprio velejador e dono de um veleiro já histórico, recentemente restaurado), no inesquecível Captain Blood. Sem dúvida, o pirata com melhor formação, respeitado e honrado tanto quanto se poderia vir a ser nesse meio. Mas a ficção é assim mesmo.

Tesouro na Ilha

Num registo diferente, algures no séc. XVIII, recordamos Long John Silver, o pirata do "pé de pau" com o papagaio ao ombro, navegando em busca de um tesouro enterrado na praia de uma ilha tropical. Robert Louis Stevenson (1850-1894) conheceu o seu primeiro sucesso com um livro que se tornou num dos paradigmas das narrativas marítimas: Treasure Island ("A Ilha do Tesouro") (1883). O pirata e o jovem Jim Hawkins seguiam a bordo do navio «Hispaniola», que o escocês Robert Louis Stevenson imaginou para a sua "Ilha do Tesouro", em que as velas são içadas para descobrir o paradeiro do tesouro do velho pirata capitão Flint, na época de ouro da pirataria. Escocês de Edimburgo, Stevenson tinha alma de aventureiro e fez longas viagens pela Europa e América. Terminou os seus dias na terra exótica que tanto o fascinou, deixando inacabado o seu último livro.

Em 1888, graças à estabilidade económica proporcionada pelos seus livros "O Médico e o Monstro", "Raptado" e "A Flecha Negra" , partiu com a família de São Francisco, nos Estados Unidos, a bordo de uma escuna alugada, a «Casco», iniciando um percurso existencial pelos mares do sul - Ilhas Marquesas e Ilhas Sociedade. "Se a «Casco» e eu sobrevivermos, dar-lhe-ei notícias em breve", escreveu em tom irónico ao amigo e escritor Henry James.

Stevenson navegou por aquelas águas a bordo de outros quatro barcos: o «Equator», um vapor do correio, o S.S. «Janel Nicoll» e o S.S. «Lubeck». Procurou entender o que via e escreveu os contos "The Island Night's Entertainments" e "In the South Seas". Conheceu as Ilhas Marshall, Salomão e Fiji e, por fim, em 1890, estabeleceu-se em Vailima, na Ilha de Upolu (Samoa Ocidental). Stevenson escreveu então que era "chefe e pai" de cinco brancos e 12 nativos. Dedicava o tempo todo à literatura e era conhecido como "tusitala" (contador de histórias). Nunca mais voltou à Grã-Bretanha. Morreu de hemorragia cerebral e jaz no monte Vaea, próximo à Apia, capital do pequeno reino insular.

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