domingo, março 08, 2009

A "Vinda dos Ingleses" a Portugal em 1589 (III)

Parte III - Derrota e Desilusão

As últimas tropas inglesas que formavam a retaguarda em retirada de Lisboa, em que seguiu D. Manuel de Portugal (filho de D. António) e a cavalaria inglesa partiram na madrugada de 5 de Junho, quando já a vanguarda onde se encontrava D. António passava por Alcântara, cenário da derrota de 1580 frente às tropas espanholas que levou à tomada de Lisboa. A bom passo e por terrenos agrestes, fora dos caminhos mais percorridos devido ao fogo das galés espanholas que os bombardearam novamente, as forças inglesas dirigiram-se para Cascais onde chegaram na mesma noite. Desconfiado, o Capitão-geral da gente de guerra Conde de Fuentes atrasou a saída das tropas defensoras de Lisboa receando uma emboscada., mas envia umas companhias soltas de arcabuzeiros a cavalo e de ginetes (cavalaria ligeira) em perseguição fazendo algumas vítimas e mantendo a vigilância.



D. Manuel de Portugal, filho de D. António Prior do Crato, integrou a expedição inglesa de 1589 e mais tarde, com o seu irmão D. Cristóvão acompanharam a armada inglesa liderada pelo Conde de Essex contra Cádiz em 1596.

Entretanto, em Lisboa, os pedidos insistentes do Conde de Vila da Horta para sair com a cavalaria portuguesa foram ignorados pelo Conde de Fuentes, que os deixou preparados na praça do Rossio sem, contudo, avisá-los da sua saída. Os desentendimentos com o Conde de Fuentes não impediram o general português de se juntar a ele pouco depois na perseguição aos ingleses e a D. António até Oeiras, mas atingem Cascais já tarde no dia 7, com o inimigo entrincheirado na vila e no Mosteiro de Santo António, conseguindo apenas interceptar os retardatários no caminho e nas quintas dos arredores. No dia seguinte o Conde de Fuentes regressou a Lisboa, não sem antes recusar novo desafio pessoal do Conde de Essex para um combate organizado entre as forças adversárias, invocando a impossibilidade de aceitar batalha sem ordem do Rei.


As tropas espanholas asseguraram a defesa de Lisboa adoptando uma táctica passiva com um mínimo de confrontos, deixando os invasores ingleses enfraquecer-se devido às próprias limitações logísticas e à fraca qualidade do contingente militar. (painel de azulejos do Palácio dos Marqueses de Bazán, em Ciudad Real)

Nos dias seguintes, os oficiais espanhóis discutem em Lisboa sobre a melhor maneira de destruir a armada inglesa, enquanto se abrem trincheiras ao longo dos possíveis desembarcadouros na margem Norte do Tejo, e os reforços se acumulam na capital, de entre os quais sobressaía o Duque de Bragança D. Teodósio e o seu irmão à frene de uma hoste de 1.000 homens de pé e 200 cavaleiros. Por seu lado, os ingleses preparam em Cascais o reembarque das tropas, após se terem recomposto com o gado recolhido nas redondezas da vila e de saquearem Colares e Sintra, de onde trouxeram armas e dinheiro. A armada de Sir Francis Drake apresou ainda uma imprudente frota de 60 navios hanseáticos carregados de cereais destinados a Lisboa, mas de pouco valeu a carga, pois a cavalaria portuguesa destruíra as mós dos moínhos em Oeiras e em Barcarena.

Embora ao longo do caminho para Lisboa as guarnições de Peniche, Torres Vedras e Cascais se tenham entregue praticamente sem resistência, as forças inglesas não foram suficientes nem para entrar na capital, nem para obter apoio popular à desejada sublevação portuguesa contra as autoridades espanholas. Em apenas 3 semanas de operações, as hostes inglesas haviam sofrido perto de 4.000 baixas devido a deserções, doença e combates, desde o cerco da Coruña. Confrontado com a sólida defesa organizada pelas forças militares espanholas, Drake saqueou a vila de Cascais e incendiou o castelo, partindo no dia 18 de Junho rumo ao Cabo de São Vicente com 8.500 sobreviventes.

Porém, na viagem de regresso da costa algarvia uma semana depois, a armada inglesa foi interceptada depois de temporariamente imbolizada por uma calmaria ao largo do Cabo Espichel pelas 15 galés espanholas estacionadas no Tejo comandadas pelo Adelantado Mayor de Castela D. Martín de Padilla Manrique (futuro Capitão-geral da Armada do Mar Oceano) e, numa acção inédita na carreira de Drake, este perde 5 navios em combate (3 afundados e 2 incendiados) que durou 3 horas com as forças defensoras na perseguição movida ao largo da costa portuguesa.

Entretanto, alguns navios ingleses enviados a recolher as tropas deixadas em Peniche são recebidos com tiros de artilharia da guarnição espanhola. Descobrem então que o capitão inglês a cujas ordens ficaram os últimos ingleses já havia partido para Inglaterra, abandonando 300 soldados à sua sorte.


Apesar da superioridade dos navios ingleses de alto-bordo sob Drake, as fortes defesas da barra do Tejo dissuadiram
o avanço da armada inglesa até Lisboa, suscitando duras críticas contra Drake

Pouco depois, o mau tempo obrigou ao cancelamento do desembarque inglês nas ilhas dos Açores, último objectivo da expedição. Poucas semanas depois, no início de Julho, as cobiçadas naus da Índia ancoraram na Baía de Angra, na ilha Terceira, onde aguardaram em segurança o regresso a Lisboa. Finalmente, a armada de Drake pôs-se em fuga e abandonou o litoral português rumo a Inglaterra, não sem antes saquear e incendiar Vigo, na Galiza. A 10 de Junho, Drake e D. António aportaram em Plymouth, trazendo os navios em mau estado e as tropas em situação miserável. Poucos dias depois estalaram motins e distúrbios entre os soldados que reclamaram soldos em atraso. Em Londres, o Secretário de Estado Walsingham escreveu a D. António, aconselhando-o prudentemente a partir para França pois caíra em desfavor na Corte inglesa.


Abadia de Buckland (Devon, Sul de Inglaterra), lar de dois grandes corsários ingleses, Sir Richard Grenville e Sir Francis Drake (que a adquiriu ao primeiro), foi lugar de reunião entre o pretendente ao trono português no exílio D. António e o próprio Drake na preparação das iniciativas contra Filipe II de Espanha.

Em Lisboa, celebrou-se a 20 de Julho uma procissão de acção de graças entre a Sé e São Francisco, na qual participaram todas as ordens religiosas, confrarias e gente "principal" e se transportou uma imagem de Nossa Senhora da Guia mutilada pelos ingleses, proveniente de uma ermida de Cascais. Seis semanas depois, a população de Roma assistiu ao regozijo do Papa Sixto-Quinto com a boa nova da retirada da expedição inglesa de Portugal, compondo pessoalmente um salmo e várias preces e liderando 36 cardeais e toda a Corte Pontifícia em mais uma procissão até à igreja de Sant'Antonio dei Portoghesi.

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