quarta-feira, abril 14, 2004

Navegações do "Maritimo"

Novidades
O capitão deste "blog" justifica a hibernação deliberada deste espaço com a sua colaboração noutros projectos marítimos (e nas suas próprias investigações históricas). Para saber mais, nada melhor do que ler o próximo número da revista «Vega», a qual (como já terão lido algures) é a primeira revista portuguesa de grande informação dedicada ao mar.



O artigo em questão (assim como o que sairá na próxima semana nadesaguliers_diving1.jpg revista «Al-Madan») trata do mergulho em navios afundados e recuperações subaquáticas na época da Expansão, um dos temas prestes a tratar em livro, já prometido há vários meses, mas sucessivamente atrasado devido a divergências com a antiga editora. Para já fica a notícia sobre os artigos que posteriormente estarão acessíveis aqui, neste recanto marítimo virtual.
Sugestão
Em Londres, o Imperial War Museum disponibiliza "online" a história de um trágico episódio marítimo integrado na exposição "Survival at Sea: stories of the Merchant Navy in the Second World War" sobre o afundamento em pleno Atlântico do cargueiro britânico SS «Anglo Saxon» por um navio corsário alemão.

Neste ataque, o «Anglo Saxon» perdeu a maior parte da tripulação de 41 homens. Apenas 7 tripulantes escaparam a bordo do batel de serviço medindo pouco menos de 5,5 metros. Este batel, designado tecnicamente um "jolly boat", está agora exposto no Museu e é o centro de uma pequena história trágico-marítima do último grande conflito mundial. Uma odisseia pouco conhecida que durou 70 dias à deriva, levando os 2 únicos sobreviventes à salvação numa ilha das Bahamas por sorte, improviso e muita força de vontade.

domingo, abril 04, 2004

Descoberta do HMS «Agamemnon»

HMS Agamemnon, 1781. Reconstituição 3D por P.R. Dobson (2004)


O Navio Favorito de Lord Nelson

Em 1793, pouco após a declaração de guerra da França revolucionária à Grã-Bretanha, o jovem capitão da "Royal Navy" Horatio Nelson chegou ao comando do HMS «Agamemnon», reunindo-se à Esquadra do Mediterrâneo liderada por Lord Hood onde serviu até 1796, ano em que se transferiu para o HMS «Captain». Neste período da carreira do futuro almirante, o «Agamemnon» cumpriu missões de escolta e bloqueio, entrando também em combate. Foi neste período decisivo da sua intensa carreira naval que Nelson aperfeiçou não só as suas aptidões de combate, mas também demonstrou o seu imenso carisma e aptidão de liderança. Foi também a bordo do «Agamemnon» que Nelson conheceu a sua mulher, Lady Hamilton, em Nápoles. Mais tarde, Nelson recordar-se-ia da sua aprendizagem e acção nestes três anos, elegendo o «Agamemnon» como seu navio predilecto.

Lord Horation Nelson.
Por Lemuel Francis Abbott, 1800 (National Maritime Museum Greenwich).

A história detalhada do navio foi investigada por Anthony N. Deane, em Nelson’s Favourite: HMS Agamemnon at War, 1781-1809 (1996).

Recentemente, uma equipa internacional de caçadores de tesouros anunciou ter descoberto o local de naufrágio favorito do célebre Almirante Horatio Nelson, o navio de 64 canhões HMS «Agamemnon», perdido ao largo da costa do Uruguai em 1809, ao qual estão ligados momentos históricos da vida do Almirante.

A bordo deste navio, Nelson seduziu a sua mulher, Lady Hamilton, e perdeu um olho em combate. Enterrado e protegido nos bancos de areia entre a costa uruguaia e brasileira durante quase 200 anos, o posicionamento dos vestígios terá sido estabelecida por uma equipa liderada pelo norte-americano Crayton Fenn após a descoberta, 10 anos antes, de um canhão de ferro que se comprovou pertencer ao «Agamemnon», ostentando alguns detalhes identificativos, como a insígnia real do rei Jorge III de Inglaterra.


História e Naufrágio de um Navio de Guerra

HMS Agamemnon capitaneado por Horatio Nelson em operações contra a marinha de Napoleão, c. 1795. Nicholas Pocock.


O HMS Agamemnon é um dos mais famosos navios perdidos da "Royal Navy", classificado como navio de terceira linha ("third rate"),
Lançado à água em 1781, tomou parte em 11 batalhas navais entre os anos de 1781 e 1807, assinalando-se em particular na batalha vitoriosa do Almirante Sir George Rodney sobre uma esquadra francesa das ilhas Saintes (Antilhas francesas) em 1782, no bloqueio de Toulon e captura dos portos de Bastia e Calvi (na Córsega, onde Nelson perdeu o olho direito) em 1794, estando presente em grandes vitórias de Nelson, como a batalha de Copenhaga (1801) e Trafalgar (1805). Depois de servir no bloqueio de Cádiz, o «Agamemnon» terminou a sua carreira nas Índias Ocidentais, onde tomou parte em vários confrontos contra unidades da marinha francesa e navios corsários.

ACombate do navio francês Ça-Ira contra o HMS Agamemnon (primeiro a partir da esquerda) e outros dois navios britânicos na bataille de Cabo Noli, 1795 (wikipedia).

A sua última missão realizou-se no ano de 1808, integrando a esquadra da Royal Navy destacada para patrulhamento no Atlântico Sul, tendo por base o Rio de Janeiro. Durante esta missão, o navio sofreu estragos significativos no casco durante um temporal e acabou por encalhar num recife não cartografado próximo da ilha de Gorriti, a norte da baía de Maldonado (Punta del Este, Uruguai), tendo-se salvo toda a tripulação. O capitão do navio ainda conseguiu recuperar a maior parte da artilharia e outros artefactos nos dois dias seguintes ao naufrágio.

Descoberto o local, iniciaram-se pesquisas arqueológicas subaquáticas pela equipa do MARE (Marine Archaeological Research) lideradas pelo polémico inglês Mensun Bound. Foram já recuperados vários artefactos do naufrágio, entre os quais um canhão de ferro (um dos 13 que perfaziam parte do armamento) e um selo de chumbo alegadamente ostentando iniciais de Nelson e adata de 1787.

Curiosamente, já foi anunciada a intenção de remover os restos do navio pelo milionário uruguaio Hector Bado, que irá financiar grande parte da operação. Bado está associado à ambiciosa operação de recuperação do «Graf Spee», cruzador alemão da II Guerra Mundial afundado ao largo de Montevideo. O Uruguai parece ter-se tornado cada vez mais na Meca dos caçadores de tesouros.

Notícias do "Scotsman".

Aviso à Navegação

O Centro de Arqueologia de Almada convida todos os seus sócios, colaboradores, amigos e público em geral a assistir à sessão de apresentação pública do n.º 12 da revista «Al-Madan», que terá lugar no próximo dia 23 de Abril (sexta-feira), às 18 horas, no auditório da Ordem dos Arquitectos (Travessa Carvalho, n.º 23, Lisboa - ao pé do Mercado da Ribeira).

Neste volume, destaca-se um dossiê sobre "Património e Ordenamento do Território", que incide em particular sobre os Planos Directores Municipais de "1ª geração" e as metodologias de elaboração destes instrumentos de gestão a nível local. Disponibilizam-se ainda vários outros artigos e textos de opinião, crónicas, notas de actualidade e noticiário diverso, comentários a eventos e novidades editoriais, propostas de roteiros de lazer e informações sobre recursos "online". O evento integrará uma conferência a proferir pelo Arquitecto Gonçalo Ribeiro Telles, onde este desenvolverá as posições expressas em entrevista inserida no dossiê.

Informações: Tel. / Fax 212 766 975; e-mail: c.arqueo.alm@mail.telepac.pt

Deixo aos leitores do "Marítimo" um índice parcial deste próximo número, no qual se inclui uma modesta contribuição do capitão deste "blogue". Assim, poderão ler os seguintes artigos:

Actualidade
"Escavações no Adro da Igreja Matriz do Cadaval", por Guilherme Cardoso, João Ludgero Gonçalves e Vanda Benisse
"Escavações Arqueológicas na Villa Romana de Caparide", por Lurdes Nieuwendam, João Cabral, Guilherme Cardoso e Eurico de Sepúlveda
"Sondagens na Olaria do Morraçal da Ajuda", por Guilherme Cardoso e Severino Rodrigues
"Museu de Arte e Arqueologia do Vale do Côa: um projecto excepcional", por Fernando Real
"Desperdícios Domésticos (séculos XV-XVIII)", por Salete da Ponte e Judite Miranda
"Povoado Pré-Histórico de Leceia: valorização e divulgação", por Ana Luísa Duarte
"Aprovada Lei-Quadro dos Museus", por Ana Luísa Duarte
"Conservação de Espólio Náutico e Subaquático", por Ana Luísa Duarte
"XV Congresso da UISPP", por Luiz Oosterbeek

Crónicas
"Paleontologia: Dinossáurio Superstar", por Carlos Marques da Silva
"Pré-História antiga: Trapalhada e Caça ao Fóssil no Estudo da Evolução Humana", por Luís Raposo
"Arqueologia clássica: Viriato Ressuscitado", por Amílcar Guerra
"Arqueologia portuguesa: Ser Arqueólogo, Hoje e Amanhã: sobre a necessidade de avaliação das perspectivas profissionais", por António Manuel Silva
"Arqueologia e Património: O Ordenamento do Território Como Parte Integrante do Património Cultural," por Victor Mestre

Arqueologia
"A «Pesca de Naufrágios»- II: história e arqueologia do mergulho em navios afundados na Época Moderna", por João Pedro Vaz (yours truly, com versão mais desenvolvida aqui e a versão definitiva aqui)
"Indícios de um Campo Romano na Cava de Viriato?", por Vasco Gil Mantas
"O Balneário Pré-Romano de Braga", por Francisco Sande Lemos, José Manuel Freitas Leite, Ana Bettencourt e Marta Azevedo
"Contributo Para o Conhecimento do Povoamento Rural Romano no Concelho de Borba: a villa da Cerca", por Ana Ribeiro
"Intervenção Arqueológica e Estudo Antropológico da Necrópole no Castelo de Viana do Alentejo", por Paula Tavares, Ana Luísa Santos, Ana Gonçalves, Ricardo Silva, Félix Teichner e Ana Cristina Pais

sexta-feira, abril 02, 2004

Andô Hiroshige



O Elemento Aquático Japonês
Andô Hiroshige (1797-1858), pintor e 080.jpgimpressor japonês, foi um dos grandes especialistas na pintura e gravura de paisagens. Considerado um dos mestres da arte gráfica japonesa, autor das séries de estampas "Cinquenta e Três Estágios de Tôkaido" (1833) ,obra particularmente famosa,foi acima de tudo um virtuoso desenhador. Muitos dos seus trabalhos abordam temas e paisagens contemporâneos de uma rara harmonia e beleza efémera, incluindo algumas maravilhosas gravuras de paisagens marítimas e fluviais.



Aqui, tal como aqui 087.jpgencontram-se galerias de gravuras invulgarmente belas dedicadas aos peixes.
"Ukiyo-e" (imagens do mundo flutuante)
O estilo "Ukiyo-e" foi desenvolvido na cidade de Edo (actual Tóquio) durante a dinastia Tokugawa (1615-1868), um perído de 250 anos relativamente pacífico no decorrer do qual os "shoguns" Tokugawa governaram o país do Sol nascente fixando Edo como centro do poder. Hiroshige foi o último mestre deste estilo que pretendia retratar o equilíbrio harmonioso dos elementos da Natureza com as obras e as vidas do Homem.

Desde a sua origem no início do séc. XVII, imagens e textos "Ukiyo-e" inspiraram-se em temas literários e históricos. Ao longo de dois séculos e meio, a estas características típicas, adicionaram-se novos motivos reflectindo gostos, eventos e inovações sociais contemporâneos. Esta arte sofisticada tornou-se numa arte popular, pois era extremamente acessível e apreciada, representando tanto temas históricos como as sucessivas modas e ambientes puramente elegantes. A vida, as paisagens e os artefactos comuns transformaram-se nas mãos dos artistas japoneses em algo de extraordinário, capturando a essência do momento e do indíviduo. Alguns exemplos de representações clássicas encontram-se aqui.



Na verdade, os artistas do "Ukiyo-e" exploraram 44_Takibi_no_Yashiro_Oki.jpgtodo o potencial da expressão gráfica em blocos de madeira. Cada imagem era criada recorrendo ao esforço de conjunto harmonioso de quatro artesãos especializados: o editor, que coordenava as tarefas técnicas e promovia comercialmente os trabalhos artísticos; o artista, que concebia os motivos artísticos e os desenhava a tinta sobre papel; o gravador, que esculpia meticulosamente os blocos de madeira para impressão e o impressor que aplicava os pigmentos aos blocos de madeira e lançava cada uma das cores em papel manufacturado.

No início, as gravuras eram simplesmente monocromáticas, com o desenho delineado por linhas de tinta negra espessas. Gradualmente, os artistas foram introduzindo várias cores, como o encarnado, azul, amarelo e laranja, começando também a experimentar novas texturas introduzindo jogos de brilho. Muito populares, as representações de cenas eróticas e imagens de actores do teatro representaram grande parte da produção das obras primitivas. Outros temas de grande agrado figuravam personagens e episódios de mitos e lendas japoneses.

55_Whirlpool_Awa.jpgObserve-se a leveza e a força deste "Mar Revolto em Naruto" (Província de Awa)



Outras magníficas galerias de imagens do artista com temas marítimos e fluviais (e não só) podem ser apreciadas aqui.